A garotinha segura uma pomba branca que tenta a todo custo escapar de suas mãos. Não entende o que é um enterro, não entende que sua mãe está dentro daquele caixão e que jamais voltará. Morta em tiroteio entre bandidos e policiais: lugar errado, hora errada, a história de suas vidas. O cemitério São Luis cheirava mal como os outros lugares.
O padre discursa, sua família pequena chora exaustivamente ao lado do caixão, jogam flores, se negam a acreditar. A vida é dura para quem nasce aqui. Um dia ela vai entender quando ver que existe gente de verdade que tem aquele iate da novela, compra roupas em lojas tão caras quanto o barraco em que ela vive, às vezes mais caras, a vida real falha.
Dois funcionários se encarregam de destinar o caixão ao seu devido buraco, vizinho de outros corpos e histórias, algumas inocentes, outras tão culpadas quanto a própria morte. Seu pai joga uma flor e ajoelha, em prantos, a garotinha ainda não entende nada até que começam a jogar terra sobre o leito final de sua mãe.
Ela vai até perto e olha para o pai procurando explicação. As primeiras lágrimas saem de seus olhos como o ácido sobre a rosa mais pura. Nunca havia pensado sobre a morte, sobre a existência ou a falta dela. Talvez a vida fosse outra dali pra frente. A terra cobria cada vez mais o caixão de madeira de sua mãe. Chorava insuportavelmente durante um sol negro de um dos primeiros dias da primavera.
Só então soltou a pomba branca, que voou livre sobre o céu azul esperança do Parque Santo Antônio.
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