Duas visões e Um caminho

por Robson Assis | | 29.11.10 COMENTE!

Duas visões completamente necessárias para entender o que acontece nas incursões de pacificação ao Morro do Alemão Rio de Janeiro. A primeira, 'Vale tudo: O Estado pode usar os métodos de criminosos?' no blog do Sakamoto, trata de interesses de governo, mídia e avaliações de caráter moral sobre a onda de pacificação 24 horas em toda a programação da TV aberta.

Do outro lado, Bruno Rico e um conto chamado A guerra em primeira pessoa, que expressa e destrincha o sentimento da periferia à sua maneira poética, mas não como aquela carta entregue ao Jornal Nacional. Rico é meu amigo, morador do RJ, compartilha diversas opiniões como a minha sobre música e literatura marginal, além disso, escreveu alguns dos melhores contos que li este ano. Além do blog Sentimento Crítico, que reúne toda sua produção literária, ainda escreve o excelente blog de opinião Mundo do Rap.

Ficamos por aqui, apenas com este trecho do Tao te Ching, escrito chinês de 600 a.C, uma das leituras do mês que veio bastante a calhar:

"o demasiado
o desmesurado
o desqualificado

os que ajudam o soberano pelo curso
esses não violam com armas o mundo

tal ação provoca reação

onde campeiam tropas    aí crescem espinhos
após grandes combates    sempre anos nefastos

bom é apenas o desfecho
e basta!

não ousar dominar com violência

o desfecho sem apoteose
o desfecho sem repressão
o desfecho sem arrogância
o desfecho porque irremediável
o desfecho sem violência

as coisas reforçando-se caducam

isto se diz: sem curso

sem curso

logo o decurso"

Tao Te Ching, 'O Livro do Caminho e da sua Virtude', Lao Tse

36 anos de Hip-Hop

por Robson Assis | | 12.11.10 2 Comentários

Falo do Brasil, de uma cena independente mais aberta e informal. Do hip-hop que conheci através de amigos que cantarolavam um refrão do Racionais que nunca mais saiu da minha cabeça.

As décadas de 70/80, cerne de toda essa cultura que hoje agrega cada vez mais seguidores, nos entregou o hip-hop e suas primeiras rimas, moinhos de vento, scratches e bombers na parede. E hoje, os precursores de toda essa história colhem seus louros, se não apenas em dinheiro, também em consideração e respeito.

Somam-se quatro programas de rap em São Paulo, na rádio 105FM, um programa na TV aberta, o Manos e Minas que, por ter sua continuidade tão batalhada, tornou-se também, neste 2010, um tópico indiscutível para a história do rap nacional.

Vivemos o começo de uma nova década onde já se debate com menos frequência a virtualização da música, e ainda assim, um MC de talento e vontade surpreendentes consegue montar e vender, sozinho, 10 mil cópias de um disco produzido em casa, com a ajuda de amigos. Se ele não pode ter o direito dos discos de ouro no Faustão, o hip-hop entra em cena e, como um pai que acende a vela do bolo, faz sua própria homenagem.

O graffiti está nos principais museus do mundo, DJs e Bboys ganham respeito, são valorizados enquanto artistas, cotados para ministrar workshops sociais na periferia e trabalhar nas brechas do Estado, o limbo sócio cultural em que nasce a população menos favorecida.

Na internet, o hip-hop está mais presente do que nunca, com portais de informação e debate como a Central Hip-Hop, o Rapevolusom e o Rap Nacional, blogs especializados que trabalham com informação mais focada, reflexiva e detalhista como o Per Raps, XXL Co e Do Lado de Cá. Além das milhares de colaborações e blogs com menos acessos diários, espalhados pela rede, como este em que você está.

Sem falar nos produtores de filmes, como o Jeferson De, responsável pelo já tão premiado Bróder, sobre o Capão Redondo; e o Alessandro Buzo, que recebeu medalha de menção honrosa no 18º Gramado Cine Vídeo pelo documentário Profissão MC; os saraus na periferia da cidade seguem ganhando cadeiras cativas nas palestras das bienais e conquistando espaços cada vez mais inusitados por todo o Brasil. Jornalistas como o Gilberto Yoshinaga e Jessica Balbino, são essenciais para a cultura com seus projetos pessoais, coberturas e comprometimento, guiando os meus caminhos (e o de muitos outros como eu) com suas lanternas, ainda que quilômetros à frente dos meus pés.

Apesar de toda essa evolução e sem uma busca aprofundada a respeito do assunto, as críticas esparsas sobre o hip-hop nos veículos de imprensa tratam esse pequeno pedaço de toda a história negra como uma parte pobre da cultura popular, como um exemplo claro da arte emburrecida e banalizada. A culpa, como sempre, é direcionada às massas por algum erro de percurso com os trilhos excludentes da arte.

Que desculpem o ego, a pompa e circunstância, mas hoje a festa é apenas deste lado. A toda essa catarse de falso moralismo da mídia, o Hip-Hop manda um abraço e, incisivo, deixa o aviso pelas palavras de Thaíde: 'NADA PODE ME PARAR'.

***

Robson Assis, jornalista, conheceu o hip-hop em 1998, enquanto se divertia com os amigos num hidrante quebrado, na periferia de São Paulo. É feliz proprietário de seus blogs, seu carro, uma vasta coleção de livros e do coração de uma garota. Além disso, escreve perfis próprios em terceira pessoa, só por diversão.

MAIS SOBRE OS 36 ANOS DE HIP-HOP

Ali, Bumaye

por Robson Assis | | 4.11.10 2 Comentários

Quando Éramos Reis conta a história de Muhammad Ali, um dos maiores atletas de toda a história da humanidade

Conheci a figura de Muhammad Ali ao ver pela TV aquela Olimpíada em que ele acendeu a tocha, ovacionado por todo o estádio ao qual não consigo me recordar agora. Já era um senhor e portava com óbvia tristeza e marcas de superação o seu Mal de Parkinson. Esta semana, o Telecine Cult transmitiu o documentário Quando Éramos Reis, de 1996, sobre a luta do século entre Ali e George Foreman, que aconteceu no Zaire (atual Congo), em 1974.

O vídeo é baseado na história da luta, primeira organizada pelo polêmico Don King, embora o roteiro seja mais centrado em Ali. Amigos, parentes e jornalistas falam sobre o pugilista com a fidelidade que só compete a testemunhas oculares, comentando seus trejeitos espalhafatosos, embora carismáticos e suas frases soltas sempre (ou em grande parte das vezes) provocativas, quando não políticas e panfletárias.

Em meio a uma América do Norte separada pelo apartheid, Cassius Clay (nome real do lutador) enfrenta principalmente a mídia esportiva que o ridicularizava em comparação ao até então campeão mundial George 'brutamontes' Foreman; e as forças armadas com a qual teve de se explicar por ter se negado a participar da Guerra do Vietnã.

Já em solo Africano, Ali encontra uma multidão e se torna ídolo imediatamente, ao entrar em contato mais próximo ao povo local, fazendo uma multidão gritar 'Ali, bumaye' que significa algo como 'Ali, mate-o'. Em um trecho, um africano comenta que Foreman, mesmo sendo mais negro que Ali, representava o povo branco norte-americano, talvez por seu distanciamento, seu caráter recluso e seu comportamento de celebridade. O fato é que Ali, ao se misturar na multidão, se tornou representante de seus fãs africanos apenas por seu carisma e cumplicidade.

Uma das cenas mais tocantes do vídeo é quando, após ter vencido a luta (pronto, contei, mas você já devia saber) Ali diz que aprendeu muito com o povo africano, e uma de suas citações não gravada, mas dita no dia seguinte à luta e comentada por um dos jornalistas, me chamou a atenção. Ali disse algo como: 'Povo africano, na América, não somos tão bons quanto vocês. Alguns de nós somos ricos em Nova York, mas vocês tem uma dignidade em sua pobreza que nós não temos. Nós somos mimados na América, nós perdemos o que vocês têm aqui na África'.

Quando Éramos Reis mostra todos os lados daquele que é considerado o maior pugilista - e, por que não, atleta - de toda a história. De atleta e popstar carismático com a humildade de um verdadeiro rei, até seus inflados discursos, sejam eles egocentristas ou políticos, Muhammad Ali mostra porque deve ser lembrado durante muitas gerações.

O vídeo está disponível em oito partes no Youtube, sem legendas, pra quem quiser se arriscar.

Os livros de setembro e outubro

por Robson Assis | | 3.11.10 3 Comentários

Desculpas pela ausência estão ficando repetitivas uma vez que os motivos continuam os mesmos: Trabalho e falta de tempo. Portanto, amigos, aí estão os livros dos dois últimos meses.

Wunder Blogs, Vários autores - O nome do livro é retirado de um antigo (2004) portal de blogs (alguns ainda hoje disponíveis no Apostos.com) reunindo textos de seus autores com idéias esparsas sobre literatura, filosofia, a vida, o universo e tudo o mais. Cada um a seu modo tratando assuntos de interessse pessoal com indiscutível originalidade e senso de humor oblíquo. O livro traz textos de 11 autores da era de ouro da blogosfera brasileira, posso dizer. Uma ótima leitura, obviamente homogênea. Em cada novo capítulo um autor diferente lhe tranposrta a um mundo completamente distinto quando se trata de estilo e narrativa. Indico aqui também uma excelente entrevista com Felipe Ortiz na Folha, que define bastante o portal de blogs. Wunderblogs.com é um livro que você precisa ler com a mente desapegada e livre de preconceitos, sejam eles quais forem.

Gothica, Gustave Flaubert - Contos juvenis do autor de Madame Bovary. Personagens problemáticos e diabólicos em impressionantes diálogos e reflexões. Um total de cinco contos em um excelente livrinho pocket. Histórias sinistras, fúnebres, um lado mais psicótico e um pensamento menos tolerante sobre a humanidade. Lidos estrategicamente no escuro, antes de dormir, para contribuir com o clima sombrio. Curto, de fácil leiturae com histórias tão completas que acaba garantindo seu entretenimento. Corriqueio, enigmático. Ainda não li Madame Bovary, clássico do autor. Mas pelo que me permito conhecer da história, ela não passa perto do ambiente de Gothica, um livro infitamente mais adolescente e desprendido de regras. Como diz a introdução, uma aventura do autor pela parafernalha gótica dos contos de horror. Um bom companheiro para distrair a mente, isso posso assegurar.

Um grande garoto, Nick Hornby - O segundo romance da carreira de Nick Hornby. Tal como Alta Fidelidade, virou filme retrato-de-uma-geração. Confesso ter achado meio enfadonho todo aquele clima do sujeito vagabundo que não entendia a vida mesmo depois dos trinta - como se em alguma idade a gente pudesse compreender tudo -, mas o livro começa a embalar pela forma que a história é contada a partir de diversos pontos de vista. Do vagabundo trintão, do garoto que usa uma lógica ortodoxa para lidar com situações corriqueiras, de sua mãe depressivo-maníaca, até do Kurt Cobain em fase terminal. Ao final de tudo, uma história simples de famílias desestruturadas e um personagem alheio a humanidade se torna uma trajetória emocionante de confiança, respeito e aprendizado, escrita no melhor estilo que o Nick Hornby sabe fazer, ilustrando cenas com músicas, nomes de cantores e jogadores do Arsenal.

Elite da Tropa, Luis Eduardo Soares, Rodrigo Pimentel e André Batista - Existe aquela teoria de que a história do livro é sempre melhor que a história do filme. Neste caso, considero a história de Elite da Tropa contada de maneira mais pesada e cruel do que no filme, provavelmente por questões de mercado. As duas histórias são excelentes, sem dúvida, mas o livro revolta mais, deixa a ferida mais aberta ao denunciar - ainda que por meio da ficção, os golpes e esquemas praticados pela Polícia Militar. O livro é dividido em duas partes: na primeira, contam-se causos sobre a polícia corrupta, com um discurso sanguinário a ponto de louvar a execução de marginais na frente de seus parentes, quando não a execução sumária de seus parentes, extinguindo possíveis testemunhas. Na segunda parte, uma só história que envolve guerras entre favelas e facções rivais gerenciada pelos interesses político-econômicos de secretários, deputados, delegados e, inclusive, o governador. Interessante, para não dizer trágico, Elite da Tropa é uma denúncia maior do que o discurso 'quem financia quem?' do primeiro filme, colocando na vitrine uma polícia despreparada que trabalha através do jogo, dos pequenos golpes e da certeza de impunidade.

O Gato preto e outras histórias, Edgar Allan Poe - Releitura do clássico. Lembro de ter lido este volume nos idos de 2003/2004, provavelmente algum exemplar emprestado da livraria em que trabalhava na época. Gosto do clima sombrio de seus contos, dos personagens emparedados, das histórias macabras, da tenue relação entre o mundo real e diabólico. Personagens em um momento tranquilos, no outro bêbados e esquartejando a esposa. Poe cria climas pesados e agoniantes em histórias comuns. Cria como um maestro sua obra, que vai evoluindo até um ponto que você não consegue mais acelerar a leitura para saber o que acontece na cena seguinte. E o ápice é seguido de um final deslumbrante e inesperado, sem largar a expectativa, ou a emoção, ou a sensação de estar encurralado, sem poder respirar e sem forças para se livrar dos grilhões que o afligem. Chega de besteira, O Gato Preto e outros contos é um livro para ser lido diversas vezes, de muitos modos. Um livro curto e empolgante demais para acabar tão rápido. Apesar disso, deve ser lido em uma sentada, como dizia Poe.

Antes tarde do que sempre, Bertoldo Gontijo - "O relógio do Mickey marcava 8h45. Acordei com saudade. Saudade de mim mesmo. Do tempo em que eu encarei meus medos e venci. Do tempo em que eu peguei a rotina à unha e mudei meu destino". Indicado no último post dos livros do mês, por minha grande chegada Mirian Pulga, o livro de Bertoldo Gontijo conta a história do mesmo personagem em duas épocas de sua vida. Como a infância influenciou e modelou sua maturidade (ou a falta dela). Me lembrou muito de Alta Fidelidade e aquelea história do homem de meia idade perdido em suas próprias más escolhas. Além disso, o livro é cercado por uma atmosfera quase adolescente, embora envolva problemas e crises adultas. O autor brinda cada capítulo com uma trilha sonora adequada perfeitamente à história, desde os covers de Alice Cooper e Stones executados por sua antiga banda até 'What's Wrong with This Picture?', do Van Morrison, em uma fase mais confusa de sua vida. Poético e bem estruturado, um livro com muitas histórias em apenas uma, para ler em pressa e com a mente aberta. O livro possui versão digital que pode ser baixada gratuitamente no Livros Grátis, para quem quiser.