Então toma (uma reflexão)

por Robson Assis | | 1.7.11 4 Comentários

Refletia esses dias sobre os clipes novos do rap nacional. Percebi que grande parte essa produção audiovisual dos novos artistas é ligada a estratégia simples e quase inocente de uma câmera na mão e uma idéia na cabeça: preciso fazer um vídeo do meu grupo. Não importa se não houver um diretor de fotografia, ou alguém para gerir a direção artística. Esse pensamento, imagino, deve ser geralmente seguido de "Eu conheço alguém que conhece alguém que..." e o "clipe" se resume ao rapper cantando em frente a um graffiti, fazendo passinhos desastrados numa avenida, na praia, pecados de edição, pouco desafio e pobre linguagem visual.

Aqui entra aquele velho debate do RapBR proposto pelo Giberto Yoshinaga e que volta e meia vem à tona: o fato de que Nem todos serão MC's. A questão navega por quanto seu trampo merece de dedicação, de gente trabalhando em cima. Seu grupo gera emprego, ainda que seja tudo voltado a você, à sua produção, você precisa de gente em volta pra estruturar seu avanço.

Quando vemos um clipe como o novíssimo "Então Toma", do Emicida, fica claro o apreço pelo que é bom, a escolha totalmente acertada de referências não musicais, mas artísticas — se você não viu nesse clipe referências a Cães de Aluguel ou qualquer outro filme de Tarantino precisa urgentemente começar a buscar algumas listas de melhores filmes das décadas passadas —, o que certamente não é algo a se julgar, quando tudo o que falta nesse meio são referências.



O Rap nacional está crescendo a um ponto em que começa a esconder e limar o que é ruim num processo natural em que levar seu grupo nas coxas é algo que deve ser descartado de imediato se você pretende figurar entre os ao menos "aceitáveis". Porque os melhores dedicam todos os seus esforços e tratam o rap como a própria vida, e vice-versa. Nas palavras de Rashid "e se o rap te tratasse como criança já que você trata ele como brincadeira?". Portanto, é preciso correr atrás e acertar, sempre que possível.

Como o Vinicius também citou, é inevitável lembrar de "Sabotage", dos Beastie Boys, um dos clipes mais aclamados da história dos videoclipes.

É até meio evidente citar Tarantino ao tratar desse novo clipe do Emicida. Eu mesmo vi tantas outras referências que quase desisti de escrever o texto. Claro que existe aquele fator pulsante quando você procura referências no que quer que seja: você pode acabar enxergando até o que não existe. Aquele clássico de quando você olha para uma nuvem jurando que ela se parece com um dragão.

O clipe começa com um diálogo nonsense e tem todos os outros elementos básicos dos melhores filmes do diretor: a mala de dinheiro, o corte seco de imagem e áudio entre as cenas, o fator inesperado (neste caso, um homem se debatendo com uma frase do Criolo, rapper que contracena com Emicida no clipe: "não é de bom tom você ter um corpo amarrado na sala da tua casa").

"Então Toma" tudo de uma só vez: Essa história dos diálogo nonsense entre dois personagens no início da trama te leva direto para Pulp Fiction; Os nomes dos personagens no início é a clara referência ao cinema Western que Tarantino sempre gostou de homenagear em seus filmes; Emicida, de terno, nos faz lembrar quase instantaneamente de Cães de Aluguel (sim, você também precisa parar de achar que o CQC inventa alguma coisa) e todo aquele diálogo sobre música e uma possível dupla Emi & Cida, como elemento tragicômico, tal qual a quase piada interna dos integrantes do NX Zero se revoltando ao ler a matéria Rap rouba a cena, da Folha (não sei se preciso lembrar aqui do "Projeto Paralelo" do NX Zero em que o mesmo Emicida participa da música Só Rezo 0.2). Seguindo com os personagens, Chitarra parece nossa Beatrix Kiddo, a especilista em facas protagonista de Kill Bill ao passo que Lola la Loca, poderia facilmente ser uma provável alusão à Jackie Brown (?). É nesse ponto que me imagino vendo muitos dragões em nuvens e prefiro parar de achar referências e curtir os quase seis minutos de vídeo.

Acima de tudo, "Então toma" é uma mensagem ao público de que o rap tem muito mais a dizer do que as gírias e dos protestos que o marcaram no final dos anos 90 (pelo menos aqui no Brasil). Acho que a mensagem certa é: "Não é porque eu vim da favela que todos meus clipes vão ser como versões de Click, Clack, Bang do Conexão do Morro", um clipe também elementar para a história do rap brasileiro, antes que me critiquem. Além disso, é a prova de que o rap vai continuar sua evolução, independente de ser ou não apenas uma bola da vez para o mercado mainstream. "Estamos vivos", diria KL Jay.

"Em vez de reclamar que eu não toco no Espaço Rap, eu fui trabalhar e arrumei espaço pro meu Rap"
--Emicida