#RapBR 2011, um editorial retrospectivo

por Robson Assis | | 27.12.11 COMENTE!

"You never thought that hip hop would take it this far"

A frase na legenda da foto é do Biggie, em Juicy, 'Você nunca pensou que o hip hop fosse chegar tão longe', se referindo ao sucesso do refrão Dah-ha, Dah-ha, do Rappin Duke, também citado na letra. Notorious B.I.G, além de um dos rappers mais famosos que o mundo já conheceu, começou a carreira fazendo história nas batalhas de freestyle nas ruas do Brooklyn. O mesmo freestyle da Rinha dos MCs, a Liga dos MCs, a Batalha do Santa Cruz e de muitos outros eventos espalhados pelo Brasil. Eventos que revelaram em 2011 um núcleo artístico de fazer encolher a língua qualquer Barbara Gância de ideias talhadas nos preconceitos com estilos musicais que se tornem populares demais e pouco manejáveis.

E aí você começa a lembrar do que fizeram esses dois da foto esse ano. Começa a ver que, independente do que acreditam, foram os melhores do ano não só nas maiores premiações musicais, mas em tudo ao que se proporam. Estiveram pelo menos em todas as listas de melhores do ano que você encontrar. São revolucionários por um ponto de vista de quem só ouviu falar deles depois do Coachella ou do VMB. Daquele lado que conheceu o rap esse ano, que DESCOBRIU o Criolo, que não entendeu como o Emicida e o Kamau fizeram freestyles monstros em entrevistas de última hora, que se espantaram com a criatividade aliada desse pessoal ganhando o mainstream com a facilidade de quem ganha uma rifa de panetone e com o respeito e aval dos mestres de outrora.

'A virada' não define muito bem. Talvez 'O Acerto', 'A Confirmação' e porque não 'É Tudo nosso'? Esse ano vimos o rap roubar a cena do jeito que qualquer fã -mesmo os ortodoxos- sempre sonharam, sem mais, nem menos. Vimos uma discussão de cabeças grandes da música saindo do círculos de tios do pavê da crítica especializada. Tudo isso remanescente do barulho proporcionado pelo incrível Nó na Orelha que Criolo deu em todos que ouviram sua obra. Mais que isso, vimos esses dois nomes da foto no topo encabeçarem todas as rodas de discussão sobre música, das rodas de boteco às colunas especializadas. E foram muito mais longe do que se podia imaginar, B.I.G tinha razão.

Algo me incomoda sempre que ouço alguém dizendo que o rap precisa se afastar da favela, precisa parar de cantar o sofrimento, porque a dor não vende (o que contraria absolutamente o raciocínio que tornou o Datena sucesso de público). De certa forma, eu concordo com parte dessa mudança toda, é realmente mais comercial falar da madrugada e da rua do que de um barraco três por quatro com goteira no teto e invadido pela PM. E se existe algo de que o rap estava precisando em 2011 era abandonar algumas amarras e saber caminhar na corda bamba que diz 'OK, somos da periferia, passamos por dificuldades também, mas somos felizes e talvez isso soe melhor no disco'. Sem o moralismo de ter que denunciar o que todo o mundo já sabe, ou deveria saber.

Mas não me entenda errado. Por um outro lado, se não existe mais público para a realidade, isso não a impede de existir, certo? Então, na construção dessa base sólida, a periferia continua ativa, como numa primavera de Praga, diria Sérgio Vaz. Você encontra shows de rap em escolas, eventos de fechar a avenida, um programa de rap em canal aberto e salvo por iniciativa do público, saraus, ensaios comunitários, palestras, workshops em grandes feiras literárias, cursos, bibliotecas, centros culturais para crianças, revistas e, bem, talvez seja melhor resumir isso numa palavra: oportunidade. Existe ainda aquela vertente de pensamento de que isso precisa deixar de existir, a ideia de que a música salva pessoas do crime. Acho que negar isso é invalidar o próprio poder transformador da música. Essa história não serve apenas para o crime, o rap pode salvar as pessoas da ignorância, da mediocridade. Negar isso é desmerecer a música como opção de vida, como alternativa para esse mundo de caos ordenado e ineficaz.

Frases só se tornam eternas quando dizem algo que ultrapassa as fronteiras do tempo. Biggie, numa frase simples e sem rodeios, apontou na cara das pessoas dizendo: vocês nunca acharam que isso aqui ia pra frente, né? E em 2011, eles entraram pelo seu rádio, tomaram e você nem viu. Pra terminar antes que esse monte de citações de paráfrases deixem de fazer sentido, estou com Sérgio Vaz quando: "que 2012 seja pior... pior para quem estiver no nosso caminho".

Feliz e próspero 2012 ao #RapBR e a todo mundo desse lado aí.

De bombeta e moletom #5

por Robson Assis | | 23.9.11 COMENTE!


O blog A Polaroid Story fala sobre uma garota que tenta fotografar seus artistas preferidos em uma Polaroid. E sobre a dificuldade dessa aventura em busca de uma foto perfeita, uma vez que é preciso posar na frente (uma vez que a Polaroid parece não trabalhar muito bem com pessoas em movimento). Lá você vai encontrar fotos de J. Cole, Erykah Badu, Method Man, MoS Def, Mayer Howthorne, Guru e Gil Scott-Heron (RIP para os dois últimos), entre muitas outras personalidades da música black.

Neste volume da mixtape deveriam entrar a indicação dos amigos Biw (Biggie Smalls & Frank Sinatra, com Juicy, New York) e Glauber (Promoe, com Long Distance Runner), mas fica aí apenas o link, porque nessa edição, especialmente, tendo em vista esse monte de patacoada teórica sobre a popularização do Criolo e uma pá de Barbara Gancias saindo do armário, temos apenas rap nacional. Pros críticos em geral (e não só 'os intocáveis' da mídia especializada). E um forte abraço a todos os (subdes)envolvidos.

Para baixar, chega aí. Para ouvir o streaming, basta dar o play!

 

01. Akis Kinte, 'Às escuras e as cegas'
02. Emicida, part. Rael da Rima e Fióti, 'Licença Aqui'
03. Terceira Safra part. Projota, 'Assim Segue'
04. Doncesão, 'A Ilusionista'
05. Ogi, 'Eu me perdi na madrugada'
06. AXL & Skeeter, 'Preciso Voltar'
07. Criolo, 'Lion Man'
08. Trilha Sonora do Gueto, 'Fusão Leste-SUl'
09. Inquérito, 'Meu Super-herói'
10. Projota, 'Mais do que pegadas'

Num país nem tão distante

por Robson Assis | | 21.9.11 COMENTE!

O rap e uma pequena analogia sociológica. Tá um saco dizer tudo isso com as mesmas palavras que todo mundo já fez por aí. Basta procurar. Então aqui, não se citam artistas, celebridades, mainstream, sequer música. É apenas uma analogia simples pra entender tudo o que está acontecendo com a música rap no Brasil em 2011.

Cenário I - Disneyland, aqui vamos nós
Imagine um país, escondido do mapa, culturalmente crucificado por transgredir alguns padrões e normas. Um país com algumas deficiências, mas em constante crescimento, ainda que pacato. Imagine que as pessoas que construíram  esse país têm a pátria estampada em seus corações, respiram a parada, fazem de tudo para que o país um dia se torne uma grande potência e possa conversar com os grandes, frente a frente, sem as barreiras erguidas pelo cinismo alheio. E aí, imagine que brecha seguida de brecha, o país começa a conquistar um certo espaço, ter uma certa visão entre os grandes. E que o resto do mundo comece a entender que o caráter transgressor de uma época é preciso ser contextualizado e estudado como parte da história daquele país. E agora que as coisas começam a caminhar bem, com todo esse apelo da mídia mundial em cima daquele país, ele comece a se tornar pop. Seus grandes avatares estampando a capa das revistas, seu estilo de vida sendo estudado minuciosamente por nichos de elite que nunca antes cogitaram tocar no assunto. Seus grandes mestres, outrora vistos como utópicos e desnecessários, transformados em formadores de opinião. E aí o país se torna o centro das atenções. Todo mundo fala do país. Todo mundo ama aquele país desde pequeno. Começa um verdadeiro êxodo, de quem nunca havia conseguido aturar ou assimilar o que aquele país costumava pregar. As pessoas começam a vir morar no país, vislumbrados pelas possbilidades, dão belos passeios pelos centros povoados, quebram algumas redomas de vidro, alguns preconceitos, alguns tabus, começam a ouvir falar de assuntos e enfoques os quais nunca prestaram a devida atenção. É tudo diversão. É tudo descoberta, embora esse bando de turistas não consiga dar a devida atenção para os habitantes naturais que construíram aquele país, pois estão olhando, ainda boquiabertos, tudo o que foi construído com o tempo.

Cenário II - Nascido e criado
Era tudo festa. A organização do nosso país impressionava, grandes eventos, comemorações ano após ano, festejando a última dúzia de meses em que batemos de frente, ou que escapamos com a cabeça erguida. E então as cidades começaram a encher. Os aluguéis de nosso país encareceram, ficou muito mais difícil manter o convívio saudável (com alguns atritos esparsos) que tínhamos antigamente. Talvez seja possível envolver todos esses novos habitantes de uma maneira que eles se sintam cada vez mais em casa, que comecem a se acomodar, espalhar seus pertences pela sala e, em troca, a cuidar disso aqui como um lugar também deles. Acho que se eu pudesse deixar uma mensagem para todos esses novos visitantes, é a de que você não deve sujar a casa de quem deixa as portas abertas para você entrar. Chegue com cuidado, seja lisonjeiro e vamos crescer todos juntos, é tudo o que espero. Mas é preciso esperar. Porque vivemos uma época de épicos, em que tudo é extravagante, excelente e maravilhoso, até que algum monitor conservadorista comece a arrebanhar novamente sua população desgarrada. E aí, os turistas vão embora. Os que restarem, talvez terão assimilado no coração tudo aquilo que o país pode lhe oferecer. E quanto a nós? Acredito que essa pergunta ofenderia muita gente como eu, afinal, nós estamos aqui há tanto tempo que não sabemos como viver de outro jeito.

Cenário III - Num fórum 'fechado' de grandes sociólogos
Era um país pequeno, que não mostrava empecilhos, que sequer fazia cócegas em nossa estrutura. Era um país ao qual não dávamos a mínima, achávamos pedante, panfletário, isso apenas pra não dizer de seus modos repugnantes, seus trejeitos moralistas, antipáticos. Seu linguajar único e suas roupas pavorosas. Em uma conspiração pra ditar a nova moda, o país entrou na onda, virou manchete, dava os primeiros sinais que poderia se tornar um problema caso deixássemos. E começou a crescer, as pessoas se movimentaram querendo descobrir o que poderia ser extraído de lá. E descobriram até demais, guiados por uma base bem organizada por aqueles que já moravam naquele país. Provavelmente nosso maior erro foi ter deixado que isso acontecesse. O que ficou pra nós é a certeza de que eles não podem ser levados a sério enquanto país e que vamos conquistar de volta todas as pessoas sem tanto poder de decisão, derrubando aos poucos os grandes líderes desse país. Mostrando seus pontos fracos, suas petulâncias, seus erros crassos, mesmo que pequenos. É tudo uma questão de enfoque, tudo uma questão de saber polemizar e entrar na mente desses pequenos idiotas que foram atraídos pelo sucesso e pelo hype que deixamos escapar de nossas rédeas. Aos poucos vamos trazendo de volta aquele conceito de que esse país é tão chato quanto parece, que seus defensores são hipócritas hippies que não merecem consideração e que a verdade está apenas do nosso lado.

Cenário IV - Revoluções internas por minuto
Não sei como pode. Vivemos nesse país praticamente durante toda a nossa vida. Conhecemos as melhores formas de crescer e sustentar as bases mínimas pra que nada fosse jogado ralo abaixo. Lutamos juntos por melhores condições, por união, pra que pudéssemos deixar de herança um futuro decente nesse país. Nada levado tanto a sério. Gente como eu aceitando dois tipos que não consigo lidar: um bando de novatos e um bando de aproveitadores. O problema é que não podemos separar o joio do trigo com destreza. Sempre sobrará um que poderá colocar tudo a perder. E isso desanima. Tanto quanto desanima ver os meus se envolvendo em projetos de outros países mais ricos e já bem desenvolvidos. Me incomoda. Saber que era a gente que mandava e desmandava em nós mesmos e o quanto pregávamos que não deveríamos dar ouvido a outros países, nem fazer alianças mesmo nos cenários mais críticos. E agora cada um criou uma olha em torno de si, cada um vê apenas o barco salva vidas que está à sua frente, ninguém enxerga o que enxergávamos antes. E sou visto como ridículo e conservador, óbvio, porque não consigo deixar de pensar naquele tempo em que estávamos juntos, em tudo aquilo que dissemos que seria pra sempre. Talvez eu tenha levado tudo um pouco a sério demais.

Então toma (uma reflexão)

por Robson Assis | | 1.7.11 4 Comentários

Refletia esses dias sobre os clipes novos do rap nacional. Percebi que grande parte essa produção audiovisual dos novos artistas é ligada a estratégia simples e quase inocente de uma câmera na mão e uma idéia na cabeça: preciso fazer um vídeo do meu grupo. Não importa se não houver um diretor de fotografia, ou alguém para gerir a direção artística. Esse pensamento, imagino, deve ser geralmente seguido de "Eu conheço alguém que conhece alguém que..." e o "clipe" se resume ao rapper cantando em frente a um graffiti, fazendo passinhos desastrados numa avenida, na praia, pecados de edição, pouco desafio e pobre linguagem visual.

Aqui entra aquele velho debate do RapBR proposto pelo Giberto Yoshinaga e que volta e meia vem à tona: o fato de que Nem todos serão MC's. A questão navega por quanto seu trampo merece de dedicação, de gente trabalhando em cima. Seu grupo gera emprego, ainda que seja tudo voltado a você, à sua produção, você precisa de gente em volta pra estruturar seu avanço.

Quando vemos um clipe como o novíssimo "Então Toma", do Emicida, fica claro o apreço pelo que é bom, a escolha totalmente acertada de referências não musicais, mas artísticas — se você não viu nesse clipe referências a Cães de Aluguel ou qualquer outro filme de Tarantino precisa urgentemente começar a buscar algumas listas de melhores filmes das décadas passadas —, o que certamente não é algo a se julgar, quando tudo o que falta nesse meio são referências.



O Rap nacional está crescendo a um ponto em que começa a esconder e limar o que é ruim num processo natural em que levar seu grupo nas coxas é algo que deve ser descartado de imediato se você pretende figurar entre os ao menos "aceitáveis". Porque os melhores dedicam todos os seus esforços e tratam o rap como a própria vida, e vice-versa. Nas palavras de Rashid "e se o rap te tratasse como criança já que você trata ele como brincadeira?". Portanto, é preciso correr atrás e acertar, sempre que possível.

Como o Vinicius também citou, é inevitável lembrar de "Sabotage", dos Beastie Boys, um dos clipes mais aclamados da história dos videoclipes.

É até meio evidente citar Tarantino ao tratar desse novo clipe do Emicida. Eu mesmo vi tantas outras referências que quase desisti de escrever o texto. Claro que existe aquele fator pulsante quando você procura referências no que quer que seja: você pode acabar enxergando até o que não existe. Aquele clássico de quando você olha para uma nuvem jurando que ela se parece com um dragão.

O clipe começa com um diálogo nonsense e tem todos os outros elementos básicos dos melhores filmes do diretor: a mala de dinheiro, o corte seco de imagem e áudio entre as cenas, o fator inesperado (neste caso, um homem se debatendo com uma frase do Criolo, rapper que contracena com Emicida no clipe: "não é de bom tom você ter um corpo amarrado na sala da tua casa").

"Então Toma" tudo de uma só vez: Essa história dos diálogo nonsense entre dois personagens no início da trama te leva direto para Pulp Fiction; Os nomes dos personagens no início é a clara referência ao cinema Western que Tarantino sempre gostou de homenagear em seus filmes; Emicida, de terno, nos faz lembrar quase instantaneamente de Cães de Aluguel (sim, você também precisa parar de achar que o CQC inventa alguma coisa) e todo aquele diálogo sobre música e uma possível dupla Emi & Cida, como elemento tragicômico, tal qual a quase piada interna dos integrantes do NX Zero se revoltando ao ler a matéria Rap rouba a cena, da Folha (não sei se preciso lembrar aqui do "Projeto Paralelo" do NX Zero em que o mesmo Emicida participa da música Só Rezo 0.2). Seguindo com os personagens, Chitarra parece nossa Beatrix Kiddo, a especilista em facas protagonista de Kill Bill ao passo que Lola la Loca, poderia facilmente ser uma provável alusão à Jackie Brown (?). É nesse ponto que me imagino vendo muitos dragões em nuvens e prefiro parar de achar referências e curtir os quase seis minutos de vídeo.

Acima de tudo, "Então toma" é uma mensagem ao público de que o rap tem muito mais a dizer do que as gírias e dos protestos que o marcaram no final dos anos 90 (pelo menos aqui no Brasil). Acho que a mensagem certa é: "Não é porque eu vim da favela que todos meus clipes vão ser como versões de Click, Clack, Bang do Conexão do Morro", um clipe também elementar para a história do rap brasileiro, antes que me critiquem. Além disso, é a prova de que o rap vai continuar sua evolução, independente de ser ou não apenas uma bola da vez para o mercado mainstream. "Estamos vivos", diria KL Jay.

"Em vez de reclamar que eu não toco no Espaço Rap, eu fui trabalhar e arrumei espaço pro meu Rap"
--Emicida

Três filmes

por Robson Assis | | 19.3.11 COMENTE!


5x Favela, outro desses épicos sobre as favelas brasileiras, embora fuja de conceitos pré-estabelecidos de que todos os moradores de favela são ligados ao tráfico de uma maneira ou outra, ou de que não existe gente comum, mas apenas os arquétipos carregados de gírias que encontramos em Cidade de Deus e Tropa de Elite 1. São cinco pequenos contos, que não se entrelaçam, mas acontecem num mesmo universo. São pessoas comuns, em vidas e histórias comuns. Um retrato da favela impresso de dentro e não a versão romanceada ou banalizada que convencionou-se fazer no cinema. 5x Favela apresenta uma visão mais novelística sem perder ritmo com voltas desnecessárias no texto. Pela primeira vez um filme brasileiro sobre a periferia que traz algo além da crítica social crua e despreparada. Existe sim, mas ela é implicita, palpável. Está presente sem que possamos notar, tamanha sua onipresença neste ambiente.


Night Catches Us, sobre um período conturbado da história negra americana. Com o final dos Panteras Negras, o próximo passo que se poderia imaginar era a polícia deixando de lado a perseguição a negros nas ruas, o que não acontece. Com um misto de raiva e conspiração, neste período, a polícia está cada vez mais segregacionista, inspirada nos fantasmas deixados pelo grupo rebelde. Uma ficção que esconde e desvenda na medida certa cada ponto sem nó que foi sendo moldado pelos negros no país-império em que os preconceitos são desfeitos com mais cautela, em que a intolerância é colocada praticamente como norma de conduta sem critério para a dor ou desprezo infligido. Cada minuto deste longa vale a pena pelo contexto histórico e pela pequena bela história que é o elo de ligação a todo este passado. O filme traz ainda algumas cenas de época, em preto e branco e um argumento definitivo para você abandonar este blog neste exato momento e correr atrás desse filme: trilha sonora executada com maestria pelo The Roots.


For Colored Girls, tenso, pesado, glorioso. Se você assistiu Precious, vai entender bem onde quer chegar o enredo. São histórias que se cruzam tanto que podem chegar a confundir o público mais desatento. Mas a comparação termina por aí. Precious é um filme com final reticente, de lamento, perda e angústia. Tudo isso está em For Colored Girls, mas em doses estridentes, que revoltam e punem toda a moral fracassada dos nossos tempos. É um filme sobre a mulher negra e para a mulher negra que vive a tragédia em seu cotidiano, que vê serem tomados à força seus sentimentos e vontade de viver. No começo do filme, a composição doentia com vozes de mulheres falando ao mesmo tempo e palavras correndo dizem 'para todas as mulheres negras que já pensaram em suicídio' como uma forma de deixar registrado mais que um simples aviso sobre o teor do que vem a seguir. Um filme forte, urgente e completo. Alguém pode se levantar dizendo que é apenas mais uma obra feminista, com alguma razão. Acredito que este tema é algo que todos gostaríamos de ver ultrapassado. Não é apenas o simples preconceito contra a mulher. Está em jogo a legitimidade e aceitação de suas escolhas pessoais, do homem como companheiro e não dono ou superior. Em atuações incríveis, cada personagem busca dentro de si uma liberdade e isto é o que de melhor o filme pode nos oferecer.

Carta aberta a Detroit

por Robson Assis | | 11.3.11 COMENTE!

O rapper Eminem lançou esta semana sua carta aberta a Detroit, uma bonita forma de demonstrar seu amor pelo local em que foi criado. Esse bairrismo saudável é tema bastante cortejado no rap e, basicamente, se confunde com sua história. No vídeo, o rapper fala sobre a luta da população local e em um texto bem elaborado embora curto, fala sobre sobre a cidade com notável paixão e comprometimento.

Abaixo o vídeo, na sequência a transcrição:



Detroit,
Existe uma resistência que nasce em algum lugar em meio às suas ruas
Não se pode definir, mas dá pra sentir
Você pode sentir isso transbordar das pessoas que te chamam de lar
Das pessoas que são sempre orgulhosas por dizer 'eu sou de Detroit'
Você levou nosso país da infância para a indústria
E seu nome ainda carrega a idéia de uma nação construída sobre aço, músculos e suor
Você se tornou a cidade que carrega o país
A cidade, como o esporte, é construída sobre sonhos
Pessoas que te dirigiriam, se sobressaíram
Quem sabe, nada é feito sem trabalho duro, sem sacrifício
Quando você se fere, nós nos ferimos
O testemunho de suas ruas é nossa luta
Seus tijolos são nossa fúria através do vazio de cada casa de portas cerradas, de cada fábrica fechada
Nós temos vivido com os altos de baixos
Mas continuamos aqui, Detroit
Nós nunca viramos as costas pra você, Detroit, porque nós somos você
Minha casa
O lar da Motown, Cadillac e Joe Louis
Com tudo isso, nós não podemos ser derrotados, porque nós nunca fomos derrotados
Você nos construiu, você nos moveu, você nos modelou
Às vezes pra baixo, mas nunca pra fora
Leve a força em nós, seu povo
Mantenha-se firme, Detroit.

O Cerrado que não para

por Robson Assis | | 28.2.11 COMENTE!

Eric Magnus e seus Contos Perdidos do Cerrado Central trazem o rap contado diretamente do Centro-Oeste brasileiro. Porque, como ele mesmo diz em uma das músicas "o universo, mesmo grande, ainda tem seu lado interno". Necessário, atual, concreto e verdadeiro, Contos Perdidos é um disco bem construído sobre rimas inteligentes e melodias ébrias muito interessantes e bem elaboradas.

O rapper, que também é responsável por grande parte das produções do disco, disponibilizou o disco para download gratuito em seu perfil no Bandcamp, embora você possa também adquirir a versão física através do email ericmagnus.som@gmail.com.

Suas letras estão balanceadas entre o engajamento e a reflexão profunda dos temas. O equilíbrio de sua temática faz do som de Eric Magnus não redundante e absolutamente sincero, em que podemos encontrar os versos certos e pontuais sobre cada situação. Magnus é como aquele amigo que sempre tem a palavra certa a nos dizer em cada momento. Para finalizar, outras aspas do rapper "eu fico aqui, a palavra é eterna, o corpo morre, mas a alma se preserva".



Leia também a entrevista para o portal O Rap Informa, onde conheci o trabalho desse rapper.

Sabotage Eterno

por Robson Assis | | 24.1.11 1 Comentário

Sabotage (1973 — 2003) era o rapper, o elo. Modelo direto de competência e visão de mundo para sua quebrada, para seu próprio mundo. Ele tinha um dom natural em mãos, sua rima entorpecente, sua levada sinistra, seus trejeitos de composição. Era o rap, dava pra sentir de longe, não precisava de teste. A vivência fazia pulsar a rua em suas veias, sabia conhecer o mundo novo que fervilhava sob seus pés. Do Canão a Cannes, sabia onde pisar e como chegar.

Hoje, a música brasileira completa oito anos sem ele.



Assista o documentário completo no Youtube

Duas leituras #001

por Robson Assis | | 8.1.11 2 Comentários

Dois textos interessantes com opiniões sobre música. Para um sábado tranquilo. Os textos estão em inglês, mas não é nada impossível de ler. So, enjoy it.

::::A ÚNICA DROGA QUE EMINEM NÃO CONSEGUE ABANDONAR #
"Certas vezes, o sonho de fazer algo é mais divertido do que a conclusão real.

Se existe algo sobre Eminem que se manteve firme durante todos estes anos é o fato de que ele odeia a idéia de ser famoso. Ele transpareceu isso em 'Say Goodbye Hollywood', de 2002, e os efeitos negativos de seu estrelato internacional tem se mostrado repetidamente desde então [...] Tudo o que ele sempre quis era ter certeza de que Hailie [filha do rapper] tivesse uma boa vida. E ele fez isso, apesar de certa relutância em aceitar os prós e contras deste processo. [...] Com isso em mente, rimar pagou suas contas e sua mais recente façanha no trabalho lhe rendeu o álbum de maior venda no ano [...] o mais orgulhoso torcedor do Detroit Red Wing expressa liricamente o emaranhado de inferno e sucesso pessoal ao qual se enfiou."

leia na íntegra [em inglês]

***

::::O QUE SIGNIFICA SER UM FÃ DE MÚSICA MAINSTREAM HOJE? #
"[...]É como se naquela época (anos 1960 e 70), cada pessoa tivesse algum grau de paixão pela música, mesmo se essa música estivesse no nível do mainstream. E eu acho que o motivo foi a qualidade global da música que eles estavam acostumados [...] a definição de um fã mainstream mudou radicalmente a partir da época de meus pais, e falando da minha época (anos 90) para agora, esta mudança é ainda mais drástica.

Hoje, o rap mainstream é um concurso de gritos. Quem faz a mais repetitiva e ignorante busca de atenção pode se destacar no ciberespaço [...] o hip-hop mainstream contemporâneo é preso na presente câmara de eco do sensacionalismo e da falta de originalidade. A maior parte dessa música é uma sombra do que ele mesmo foi em 1999 quando a geração TRL tomou conta [...] especialmente se você considerar que uma grande quantidade de hip hop hoje é realmente 'auto-destrutiva'. Sem dúvida, estes fatores têm degradado a nossa música e cultura.

Como entusiastas da música e de artistas, temos de estar conscientes do que aconteceu com o mainstream e como isso aconteceu. Além disso, temos de estar conscientes de quem é mais responsável por criar uma disparidade tão grande entre as principais correntes de ontem e de hoje. Se fizermos isso, nós podemos afetar o tipo de mudança no mainstream que, pelo menos, garante aos jovens a melhor chance de uma escolha variada de música de alta qualidade."

leia na íntegra [em inglês]

Os contadores de história do rap

por Robson Assis | | 5.1.11 1 Comentário

O rap, declaradamente, é um estilo musical que preza pela mensagem que deve ser passada com poucos desvios, que deve ser entendida para reflexão, para melhoria de vida, pela esperança e outras consequências imediatas ou futuras. Só por esse quesito já se torna um estilo diferente dos outros quanto às formas de composição, uma vez que o desafio do compositor é tocar seu público com uma mensagem de valor.

É preciso acima de tudo libertar, mostrar o caminho para desvencilhar o público do comum, do mastigado, é preciso incitar a reflexão. Uma das grandes premissas para o rap é conseguir público através desse intuito. Tirar o moleque da rua, tirar o bandido da criminalidade, afastar os estereótipos criados para que um pobre não tenha direito. Está mais em oferecer um tipo único e inexplicável de auto estima ao povo da periferia.

Acima de tudo isso, de toda rima panfletária, manifesto ou debate, existe o storytelling, o ato de contar histórias com começo, meio, fim e uma 'moral da história' bem definida. Um poeta que consegue unir todos esses parâmetros para uma música é que realmente cria os clássicos.

Em 1999, aliado G do grupo Face da Morte cantou em 'A Vingança' a história de uma empregada doméstica que havia sido estuprada pelo filho do seu patrão, tendo em seguida seu próprio filho, que cresceu sem saber quem era o pai e teve fácil acesso até a criminalidade. A história gira até o ápice em que ele encontra seu pai na empresa em que vai assaltar a empresa de seu próprio —e desconhecido— pai: 'ahn? nem quero mais seu dinheiro, seu sangue é meu pagamento, vou cumprir meu juramento e vingar minha mãe'.

Roberto Carlos Ramos, do filme O Contador de Histórias
A composição de músicas com histórias não é invenção do rap, mas isso já era de se imaginar. Em 'The Day the Music Died', de 1971, Don Mc Lean canta sobre o trágico acidente aéreo que levou de uma vez Buddy Holly, Ritchie Valens e J. P. "The Big Bopper" Richardson. Outro exemplo clássico a ser citado é a história do boxeador Rubin "Hurricane" Carter, preso injustamente por assassinato. Nas palavras de Dylan, da clássica 'Hurricane': 'a história do Furacão, o homem que as autoridades acabaram culpando por algo que ele nunca fez. Colocaram-no numa cela, mas ele poderia ter sido o campeão mundial'. Bob Dylan e a história da country music americana, sem contar os inúmeros exemplos brasileiros de MPB e música sertaneja, até o Forró de Luiz Gonzaga estão repletos de canções que contam histórias belas ou tristes.

As histórias com base na realidade são sempre mais tocantes e incisivas, pois tratam não apenas de idéias e especulações ideológicas, mas de fatos sociais, de causos rotineiros. O rapper Ogi, integrante do grupo Contra Fluxo, que deve lançar seu primeiro disco solo 'Crônicas da Cidade Cinza', em março deste ano, volta toda a temática de suas letras em contar histórias. Algumas músicas já demonstram todo seu poder de englobar em suas músicas verdadeiros contos e criar personagens distintos e cheios de vida em cada uma de suas músicas.

Mais do que uma categoria, contar histórias traz a vida mais próxima à música e as pessoas mais envolvidas como parte do processo de criação. Uma vez que todos somos personagens nesta cadeia de eventos que chamamos de vida, a música serve como um grande espelho onde se encontram todas as histórias que ajudam a montar o quebra cabeça e desvendar a sociadade em que vivemos.

Os últimos livros de 2010 (Os livros de dezembro)

por Robson Assis | | 3.1.11 COMENTE!

O Livro Negro dos Estados Unidos, Peter Scowen - Na estante particular há mais de 7 anos, Scowen me trouxe de volta muito do que aprendi lendo Michael Moore aos 19 anos. Três capítulos essenciais são os que falam sobre os governos da América do Sul, sobre comida enlatada e fast-food e o magnífico 'Cultura Vazia' sobre cultura pop norte-americana, que trabalha com dilemas como a diferença dos conceitos 'artista' e 'celebridade'. Os demais capítulos, embora maiores e mais complicados, são também excelentes e ligados a política externa, governos influenciáveis e guerras. Irmão de uma quase vítima dos ataques de 11 de setembro, o autor tenta entender como o resto do mundo deve enxergar seu país, apoiado em documentos reais, pesquisas e citações de outros autores, montando um panorama aterrorizante dos EUA. Muitos assuntos são passíveis de conspiração, claro, portanto o livro deve ser lido com cuidado extra. Um dos livros básicos para começar a perceber e analisar estranhos fenômenos de globalização que surgem do 'american dream'.

Bartleby, o escriturário: Uma Historia de Wall Street, Herman Melville - Um conto curto, livro pocket, para ser lido em uma fila grande, ou na volta da viagem de reveillón. Confesso que achei perturbador demais, vindo do autor de Moby Dick. Melville conta a história desse sujeito excêntrico e quase patológico, que tinha uma maneira particular de negar suas obrigações diárias como funcionário de um escritório, dizendo como resposta a qualquer função que lhe designassem apenas "prefiro não o fazer". É algo além da procrastinação pura e simples. É renuncia, desprendimento moral, afasia. A propósito, o personagem principal deu origem a Síndrome de Bartleby, nome dado pelo escritor Enrique Vila-Matas ao mal que assola escritores que ao atingirem o sucesso literário deixam de produzir novas obras.

Esboço do Juízo Final, Vittorio Alfieri - Literatura italiana de qualidade, crítica e sarcástica na medida certa, bem ao contrário do que li nas resenhas que encontrei sobre o livro que tratam o autor como 'o perfeito tipo do individualista revoltado na literatura européia', Alfieri mantém o humor e a crítica da condição humana em nível adequado à sua história, em tom irônico e desconcertante, tratando das misérias sociais ou da bondade com o mesmo peso. O autor joga também com a imagem católica de um tribunal de contas a prestar diante de Deus, que confunde os homens até o ponto em que acreditam que a defesa sobre seus próprios erros e a aceitação como pecador anula imediatamente a culpa e a punição. Um livro engraçado, com um humor ao mesmo tempo agressivo e bastante refinado.

O Assassinato e outras histórias, Antón Tchekhóv - Um dos maiores contistas de todos os tempos, responsável por grandes mudanças no estilo conto. Li tudo isso na Vida e Obra, ao final do volume - esta coleção da Abril pensou em tudo - embora o pensamento "Não sei qual é a desse Tchekhóv", tenha perdurado na minha cabeça durante todo o desenrolar do livro. Entendi seus contos sistemáticos, suas histórias nem tanto confusas, seus personagens tão profundos que dariam um livro por si só, mas não entendi onde ele quer chegar com tantas reticências filosóficas no final dos contos. Compreendi, por outro lado, que suas histórias acontecem e devem ser apreciadas como um todo e não apenas como uma linha cronológica de acontecimentos; e que o final é apenas onde a história precisa parar de acontecer e ao leitor é permitido começar a refletir. E foi assim que, no final, entendi qual era a dele.

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Em 2010 pude ler todos estes livros, alcançando essa marca inacreditável de apenas duas prateleiras cheias no quarto. Um dia, quando parar de comprar livros, talvez consiga zerar isso e, quem sabe, fazer aquele cartão da biblioteca ou comprar um iPad, essas conquistas menores. Vamos à lista:

  • Você já pensou em escrever um livro?, Sônia Belloto
  • Subúrbio, Fernando Bonassi
  • Voláteis, Paulo Scott
  • Antologia - Literatura no Brasil, vários autores
  • Memórias do Subsolo, Dostoiévski
  • Alta Fidelidade, Nick Hornby
  • 1984, George Orwell
  • O Apanhador no Campo de Centeio, J.D Salinger
  • Mulheres da Máfia, Clare Longrigg
  • Coleção Arte de Bolso (5 livros)
  • Contos, Virgínia de Medeiros
  • A Mensageira das Violetas, Florbela Espanca
  • Eva Trout, Elizabeth Bowen
  • A Tragédia de Eloá, Márcio Campos
  • Amor Lúbrico, Vários autores
  • Leite Derramado, Chico Buarque
  • Olho de Gato, Margareth Atwood
  • Sandman ed. definitiva vol. 1, Neil Gaiman
  • Cartas a um jornalista, Voltaire
  • Cândido, Voltaire
  • A Origem da Desigualdade do Homem, Rousseau
  • Persépolis, Marjane Satrapi
  • Senhor dos Anéis vol. 1, A Sociedade do Anel, J.R.R. Tolkien
  • Caco Barcellos, Rota 66
  • Charles Baudelaire, Escritos sobre arte
  • Os sofrimentos do jovem Werther, Goethe
  • Mensagem, Fernando Pessoa
  • O Abusado - O dono do morro Dona Marta, Caco Barcellos
  • Ratos e Homens, Jonh Steinbeck
  • Wunder Blogs, Vários autores
  • Gothica, Gustave Flaubert
  • Um grande garoto, Nick Hornby
  • Elite da Tropa, Luis Eduardo Soares, Rodrigo Pimentel e André Batista
  • O Gato preto e outras histórias, Edgar Allan Poe
  • Antes tarde do que sempre, Bertoldo Gontijo
  • Cartas do yage, William Burroughs e Allen Ginsberg
  • O senhor dos anéis, As duas torres, J.R.R Tolkien
  • O mundo fora dos eixos, crônicas, resenhas e ficções, Bernardo Carvalho
  • O Velho e o Mar, Ernest Hemingway
  • O Livro Negro dos Estados Unidos, Peter Scowen
  • Bartleby, o escriturário: Uma Historia de Wall Street, Herman Melville
  • Esboço do Juízo Final, Vittorio Alfieri
  • O Assassinato e outros contos, Antón Tchekhóv