O Opala

por Robson Assis | | 20.8.08

Era outro dia como estas terças-feiras comuns. Renato tinha acabado de chegar do trabalho e estava a trocar idéia com os seus, no bar do Maurinho, ali mesmo, na vila. Dizia algo sobre como a Veraneio Cinza tinha passado quase tirando tinta de seu carro, com dois manos do lado de dentro. Imaginou em uma fração de segundos como estavam se sentindo aqueles dois, talvez sardinhas enlatadas fossem melhor tratadas e continuou a divagação sobre o que aconteceria se o carro amassasse.

- Imagina se rala... Mano, sei lá, na hora é foda, o sangue sobe, acho que vou atrás.

O Opalão era azul, com quase tudo original, a não ser o som que Tinho, como Renato era conhecido, havia instalado pra "manter o peso da caranga", segundo ele próprio. Pintura metálica, subwoofer, módulo de seis canais, tela de DVD. Se orgulhava até hoje pelo carro estar no principal cartaz daquela oficina de Tuning do centro da cidade.

Tinho era um aficcionado pelo carro. Vivia por ele, trabalhava e honrava todas as suas dívidas, exceto se um acaso tornasse o veículo alvo da degradação do tempo. E todos os seis anos em que estava com o carro, jamais deixara sequer a lâmpada da seta quebrada por mais de dois dias.

- Desce uma gelada que eu tô tenso, pede o malandro.

De praxe, sai por instantes do bar e liga o som e se serve de um copo. Estava tocando aquele programa de rádio que todo mundo do bairro ouvia, então ele ajudava a transmitir aumentando o volume para que até as ruas mais distantes da vila pudessem escutar. Volta cantando Tupac Shakur e gesticulando aos amigos, como se fosse o próprio, em pessoa.

Três cervejas e Nelsinho dichavava a história do Corinthians por pelo menos 15 minutos. Dizia sobre como ele foi parar na segunda divisão, a fraqueza da diretoria até a falta de firmeza da delegação. Tinho ouvia comovido a história de seu time do coração e trocava poucas palavras com o malandro, de tanta atenção que prestava ao que ouvia. havia esquecido dos policiais, quando dois PM's entram pela porta:

- Vai, mão pra cima, filho da puta, mão pra cima, vagabundo!!

A primeira frase do PM depois da geral e das perguntas-procedimento nos seis malandros que estavam no bar foi: "de quem que é essa porra desse carro aqui fora?". Tinho levanta a mão e a cabeça, trêmulo, mas de certa forma, acostumado com essa abordagem policial. Após vários gritos do PM, o primeiro tapa na cara. Tinho novamente abaixa a cabeça e ouve, sem negar nada do que lhe era questionado.

O tempo foi passando, 20, 30 minutos e o policial "embarreirando", palavra com a qual ele contaria o fato na sexta-feira, quando estivesse no rolê com seus parceiros. O fardado caminhava a passos curtos, com um discurso sobre a moral e respeito, que onde eles moravam era um lixo e isso e aquilo, eram "todos vagabundos" e mais. Às vezes parava na frente de um dos suspeitos-de-crime-algum e "pedia" para levantar a cabeça, mandava outra sessão de descarrego de palavras chulas. Seguia o enquadro.

Chamou então os malandros pra fora do bar e pediu para que Maurinho "gentilmente" fechasse as portas àquela hora. Encostados no muro, de braços pra trás, na rua relativamente vazia do boteco, os fulanos, entre eles Tinho, escutavam mais asneiras do PM. "Puta porco insuportável" era o que rondava a mente de todos.

A Veraneio cinza estava parada, dois homens, um em pé e um de dentro do carro, faziam a contenção, enquanto o vacilão do PM, já menos tenso, andou perto do Opala de Tinho e, sem querer esbarrou o cassetete no retrovisor.

- Não, caral..! - Sai espontâneo o grito de Tinho
- Que foi, ladrão, você é maluco? - peita o policial, de encontro ao rapaz.
- Nada mano, é que...
- Mano?!??

Algumas cacetadas e gemidos de dor fizeram um dos PM's na Veraneio levantar e ir "ajudar" o outro policial a "conter a ira" do "suspeito".

Tinho ainda estava no chão quando o policial manda os outros irem embora correndo, "que aquele ali não ia conseguir correr mesmo". Sentam o malandro de frente pro carro e quebram os dois retrovisores, lanternas traseiras e furam o pneu do carro.

- Tá liberado, filho da puta.

O rapaz, sentado no chão da calçada fria da vila, vê seu carro destruído pelos verdadeiros vândalos da ordem social. Além do estrago feito pela vistoria atrás de entorpecentes e armas, agora prejuízos concretos. Ele pega então, do chão, um caco de vidros caído de seu possante e joga na rua, em forma de lamentos. Pensou com seus botões em como seria melhor se eles tivessem apenas ralado seu carro.

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