Não conseguia se virar. Era outra noite de insônia. A televisão em baixo volume que sempre ajudou, hoje era sua pior inimiga. Desligou e abriu as janelas. Voltou a se deitar, esforçar os olhos a cair no sombrio. Revirou-se por outra hora inteira. Levantou com sono, mas precisava de um cigarro. Foi para a janela. Noite de quinta-feira. Ouvia vozes de alguém conversando, no fim da rua. A biqueira nunca parava. Fumou e sentou no sofá, com o livro que tentava ler antes de decidir não dormir. No terceiro capítulo, deixou o volume sobre a mesa. Ligou a TV e acendeu a luz, não ia dormir.
Zapeou canais até decidir que não veria nenhum crente cagar suas regras. A MTV repetia clipes estranhos a seu gosto nostálgico para música, lembrou-se da idéia de assinar uma TV a cabo. Um dia, assim que as coisas começassem a se rearranjar. Precisava dormir, acordaria cedo. Não o fez. Desligou a TV, outro capítulo lido, agora sem dar vestígios de sono. Cansado de palavras - seu ofício pela manhã era vendedor de loja de sapatos - pegou a coleção de clássicos que tardou a completar, "pela primeira vez" pensou, "ter comprado essas merdas fez algum sentido".
Não tinha um gosto tão apurado, sabia que gostava daquela música, mas não sabia explicar o porquê. Colocou Haydn e, na segunda sinfonia, Bach, substituído no meio de um dos Concertos de Brandenburgo por Wagner e suas Valquírias. Deixou o disco no rádio e acendeu outro cigarro. Saiu até o portão. Gostava das noites longas, mas aquela não parecia durar tanto tempo mais. Olhava as estrelas e gostava de tentar entender o universo por 30 segundos. Depois era tomado por um pavor incontrolável pelo que não poderia explicar. Talvez ninguém o pudesse. O mundo era em si, algo inexplicável, ao qual, concluía, "nunca vamos saber a lógica, nem conhecer a verdade". Depois pensava onde ia terminar aquele dia, em qual boteco, com quais amigos, em quais circunstâncias. Quem lhe diria que chegou atrasado porque a Paulista estava parada de trânsito? Quem daria risadas de suas piadas com pouco apelo ao inventário popular de anomalias às quais se pode rir? Quem lhe daria o amor que nunca sonhou e cobraria os custos de hospedagem após uma hora completa? Quem faria seu dia acontecer de forma menos linear?
Voltou pra dentro quando viu o céu negro tomar proporção púrpura, seguido de anil intenso. O sol despontava em algum lugar, sentia. O céu estava clareando e ele, droga, havia passado a noite com todos esses monstros.
Sentou na mesa, viu o relógio, faltava pouco mais de uma hora para o horário de acordar. Fez um café forte em poucos instantes. Despiu-se enquanto a água fervia, caminhou nu até a cozinha, pegou a mesma caneca velha de todas as manhãs. Tomou a droga do café e pigarreou.
Ao entrar no banheiro, deixou a água cair sobre o corpo e fechou os olhos. Pela primeira vez, teve sono. Riu disso. Saiu de casa dez minutos adiantado de seu horário habitual, com a mochila nas costas e a esperança de que seu dia tivesse fim.
Esta é a primeira parte de uma novela de 3, 4 ou mais capítulos, em breve aqui no blog.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Po irmão, que blog bom esse seu nego, dei uma olhada por auto e ja gostei muito, mas irei ler a fundo e vou linkar la no meu. Essas gratas surpresas é que sao boas na internet, parabéns ae irmão, abração.
Hasta.
www.mundodorap.blogger.com.br
Postar um comentário