Racionais MC's e os rumos do rap no Brasil

por Robson Assis | | 11.12.09

Não é preciso muito para dar mérito ao grupo Racionais MC's. Eles têm uma biografia invejável no rap nacional, gravaram discos que foram sucessos incontestáveis de venda e crítica, sem esbarrar num erro, num beat. E então, caíram no temido século XXI, após a decadência do rap americano, transformado no "estilo hip hop".

A idéia desse texto se deve completamente ao blog Mundo do Rap, um excelente blog crítico sobre rap nacional e que, neste texto de Bruno Rico, me provou o que a algum tempo eu já previa: Os Racionais MC's moldam o cenário rap de acordo com o disco que lançam. Claro que eles não previram isso, nem agem de má-fé, isso seria criar mais uma conspiração em torno do grupo.


Tudo começou com os discos Holocausto Urbano (1990), Escolha seu Caminho (1992) e Raio X do Brasil (1993). É início dos anos 90, pós Diretas, Impeachment de Fernando Collor, o íncio do Brasil piada pronta que temos hoje em dia. Foi dali que surgiram sons mais pesados como Pânico na Zona Sul, Homem na Estrada e Tempos Difíceis, esta última uma excelente música daquelas que não envelhecem nunca, cantada por Edi Rock.

Foi o despontar de grandes nomes como GOG, de Brasília, já com três discos e a mesma temática baseada nas subcondições de vida da periferia, lançando o hit Brasília Periferia em 1994. Da mesma época são os clássicos "Só se Não quiser Ser", do MRN e o "Humildade e Coragem são nossas armas para lutar" de Thaíde e DJ Hum, que tinham na época tanta ou até mais visibilidade que os Racionais.

Nada nesta época era considerado muito inovador e referência, talvez porque os grupos nacionais seguiam à risca a linha do rap criado nos EUA por Grandmaster Flash e popularizado com Public Enemy e NWA. Apesar de tudo, foi uma época um tanto quanto apagada em relação ao que estava por vir. Em paralelo à essa guinada inicial, Gabriel o Pensador, em alta na mídia, cantava rap para a classe média carioca, mas o rap ainda era discriminado, marginalizado e como acontece com qualquer música de protesto, ninguém (ou quase ninguém) dava ouvidos.

SOBREVIVENDO NO INFERNO, O AUGE

Em 1997, o Racionais volta com o disco Sobrevivendo no Inferno, um divisor de águas (o clichê é gratuito) no rap nacional. Foi o impulso que o rap precisava para se impor. Daí pra frente, a periferia tomou espaço na mídia e a música negra ganhou seu merecido e batalhado destaque.

O disco trazia obras primas de até 11 minutos, como Fórmula Mágica da Paz e sons que ganharam o imaginário popular da vida dos presidiários como em Diário de um Detento. Um disco com 12 músicas recheado de protestos velados, letras bem escritas como nunca antes se havia feito.

Os Racionais então reinavam absolutos no cenário rap brasileiro após ganhar o Video Music Brasil na categoria Escolha da Audiência com o clipe Diário de um Detento, em 1998.

Grandes discos foram lançados durante o final da década de 90 e o começo dos anos 2000 como "Versos Sangrentos" e "A Marcha Fúnebre Prossegue", do Facção Central, "Só Sangue Bom" do Realidade Cruel e ainda o fantástico "CPI da Favela", de GOG. O cenário rap ganhou ainda maior notoriedade com Sabotage e sua rima precisa e invocada do disco "Rap é Compromisso", de 2001.

Neste começo de século as coisas andavam muito bem, SNJ e Apocalipse 16 lançavam canções tranquilas com uma positividade inigualável. Xis, Doctor MC's e SP Funk faziam um som dançante e descolado, 509-E despontava como grande descoberta com o excelente Provérbios 13 e o rap ia conquistando cada vez mais espaço na música nacional. Não houve outra época com tantos lançamentos bons e referências pululando das quebradas brasileiras.

INFELIZMENTE, HAVIA UM DIA APÓS O OUTRO DIA

Estávamos chegando perto da Copa do Mundo de 2002 quando o Racionais emplacou mais um clásico: álbum Nada como Um dia após o outro dia, menos introspectivo e pesado que o anterior. As músicas apresentavam um lado bem mais gangsta do grupo, com letras sobre respeito, amigos e a famigerada família Vida Loka dos bonés e carros customizados, influência da cultura mexicana, os Vatos Lokos, como no filme Marcados pelo Sangue.

A morte de Sabotage em 2003 também ajudou para um certo enfraquecimento da música rap em geral neste período. A coisa toda ainda funcionava mas com um certo ritmo decadente, shows esparsos em quadras de escolas de samba, Indie Hip hop lutando com todas as forças e trazendo grandes nomes gringos para os palcos do Sesc Santo André, e então alguma coisa aconteceu: A indústria da black music.

Foi nessa época que ouvi os primeiros comentários de alguém dizer que estava ouvindo hip hop. A parte principal do que me veio à cabeça nessa hora foi: "Não se ouve um movimento". E o Bruno Rico do blog Mundo do Rap faz um ótimo comentário sobre isso em seu texto intitulado "Prevejo a divisão no rap nacional":

"Um grande e simples exemplo do que estou querendo dizer é que hoje em dia o rap americano virou apenas hip hop, as pessoas ouvem hip hop, como elas conseguem eu não sei, mas elas juram que ouvem hip hop."

E então os grupos começaram a fazer rap com uma visão diferente, aproveitando o que o Racionais fez de melhor e adaptando modelos gringos. Dessa época são os discos Falcão, O Bagulho é Doido do MV Bill, Exilado Sim, Preso não do Dexter, Deus do Morro, do Detentos do Rap e Tarja Preta, do Gog.

Veja bem, gosto muito dos discos de rap deste período, mas posso dizer que, nesta época comecei a limar tudo o que ouvia de forma mais crítica. Foi a partir daí que a coisa começou a caminhar mal e seguir caminhos errados, infelizmente, mas isso não quer dizer que todas as músicas da época são ruins, muito pelo contrário, apenas o que a black music da Rihanna, Akon e afins trouxe ao rap nacional

RACIONAIS 2010 E A CONSPIRAÇÃO DO FIM DO RAP DE PROTESTO
No Brasil, a black music começou a expandir como gremilins numa piscina tomando conta de todas as rádios e toques de celular junto com o funk e outras aberrações musicais. Quem começou a curtir rap depois do último disco do Racionais teve uma excelente base do que já havia passdo, afinal, era o exemplo maior do rap com conteúdo revolucionário e prático, mas em doses menores e menos bons artistas para seguir.

O fato é que daí pra frente, ninguém mais quis saber do que o 2Pac falava em suas letras, o que a treta dele com o Notorius BIG trouxe de bom - musicalmente falando - para o rap. Dali pra frente se ouvia falar de Akon, Kanye West e suas devidas roupas e garotas. Tornou-se glamour.

E muito do rap nacional, entrou na dança. As maiores contradições da história do rap despontaram de uns anos pra cá. MV Bill no Faustão, Racionais fazendo música para a Nike, clipe do Pixote com o Helião (RZO), gravado em Paris, na frente da Torre Eifel, falando de quebrada e de humildade. A pergunta é: Para onde estamos indo e o que diabos os artistas estão fazendo do rap?

Sou fã confesso de Racionais e não acredito que eles possam fazer algo tão ruim como tanto vêm especulando os veículos de comunicação, blogs e gente envolvida. Acredito que esse burburinho todo tenha sido causado pela canção "Mulher Elétrica", que fala sobre mulheres e realmente possui uma postura bem mais pop que Mulheres Vulgares, por exemplo e provavelmente pela divulgação da revista Rolling Stone com o Mano Brown na capa.



O próximo disco do Racionais vai cair nas graças do público de qualquer forma, seja ele só dançante, só brutal ou só polêmico. O problema é como ele será encarado pelo rap em si e pela galera que curte de verdade. Minha parca opinião tem um resquício de esperança: prevejo um retorno ao marasmo do começo dos anos 90, mas por um outro lado muita vergonha alheia patrocinada por grandes nomes e comerciais chulos. Para terminar, me lembro de um trecho do filme Quase Famosos, em que o garoto aspirante a jornalista mantém um interessante diálogo com seu mentor, uma homenagem clara ao jornalista crítico mais ácido da história, Lester Bangs. Eles conversam sobre o rock, mas a analogia é válida. Talvez um garoto desses pudesse salvar o rumo da música rap. Talvez:

- Então é você que me manda aqueles artigos feitos para o jornal da escola?
- Tenho enviado umas coisas de fanzines também.
- Como é sua popularidade na escola?
- Eles me odeiam.
- Você vai conhecer muitos deles contra você nessa jornada. Sua escrita é muito boa. É uma pena você ter perdido o rock & roll.
- Perdi?
- Sim, acabou.
- Acabou?
- Acabou. Você chegou a tempo do último chacoalhão da morte, do último suspiro!
- Bem, pelo menos eu estou aqui pra isso.

2 comentários:

SCBR - Defesa Nacional disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Parabéns pela materia cara!
Tenho 18 anos, sou de 1992,
aprendi a escutar rap com meu irmão
mais velho, escuto desde pequeno,
mas confesso que hoje não consigo escutar
esses "rappers new school" (modinhas),
hoje o reggae roots passa mais mensagens
sociais que o rap... que isso?
...
2006: NAS - Hip Hop Is Dead

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