Reflexões acerca do cárcere de trabalhar

por Robson Assis | | 23.10.08

I.
De manhã me levanto com aquele despertador
Que mais parece querer que eu me suicide naquele instante
Tudo na porra do meu dia parece querer isso
Me entreolho no espelho, com as luzes apagadas
Para não acordar ninguém que ainda esteja sonhando
Vejo meus livros, meus K7s, minhas revistas
E por mais forte e pesado que eu insista
Não consigo mais ver vida dentro daquele lugar
Pego o carro, passo por bairros conhecidos
Uma estrada que chega até o rio e me leva ao trabalho.
Estaciono, passo o crachá em algumas catracas
Subo sonolento as escadas, com raiva
A última catraca me cede passagem, sento à mesa
Mensagens, cobranças, planilhas, notas fiscais
Certamente há quem sinta pena
Vejo o dia clarear, o sol adentra a sala por uma janela com frisos
Realmente parece um cadeião para condenados.
Na hora do almoço, cruzou outras duas catracas
Me sirvo de um bandeco comida sem gosto e pálido
E, pelo menos, me sirvo.

II.
A tarde chega, um calor, telefones que tocam, conversas
Uma dor nas costas provoca e amaldiçoa o desânimo
Vejo milhares de pessoas, milhares de máquinas
Sedentos por algo além de tocável, que se possa mostrar
Carros do ano, apartamentos de luxo, brindes de champagne no natal
E eu com este gosto podre, este fel infernal
Vou matando os segundos até que as horas tenham fim
Não me empenho, não prospero, não tenho esperança
Acho que muito disso morreu em mim ainda quando criança
E o que sobrou foram os restos mortais de um anjo frustrado
Minhas paixões são cada vez mais sobrepostas por esse tédio
Criamos em nossas mentes, ilusões perfeitas
E a omissão a nós mesmos acaba sendo a cura para todas as doenças
Quem sabe um dia isso não terá um fim incerto
Tenho certeza que não vou ouvir isso de ninguém aqui perto.

III.
Mais de 10 horas neste lugar me traz uma angústia
Que eu sequer consigo demonstrar
Entro no carro após o expediente, ligo o rádio
Boto pra escutar as mixtapes que gravo e trago comigo
Volto pela mesma estrada, os mesmos lugares
Os mesmos acidentes, o mesmo trânsito opaco e frio
O próprio sol já se encarregou de descansar
Cansou de me esperar para ir deitar
Chego em casa, abro a porta
Sinto quando minha presença incomoda
E minha casa se torna o único lugar do mundo
Em que não me sinto em casa.

IV.
Passo a tentar ler algum livro, coisa que o valha
Deito na cama, ligo o som, pego o Baudelaire
Dez minutos depois, sinto que nem ele me quer
E adormeço para no outro dia recomeçar este martírio
Uma detenção sem muros que o poeta cantou
E que por muitos e muitos anos
Ainda aqui estou.

Um comentário:

realidade sonhadora disse...

mano, eu quero, hein!


como fas //

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