De bombeta e moletom #3 (mixtape)

por Robson Assis | | 24.8.10 7 Comentários


A ilustração acima é feita pelo Finho, de Salvador-BA. No flickr dele você pode encontrar mais trampos originais desse tipo entre graffitis, desenhos, tatuagens, pinturas e até alguns rascunhos originais. Quem me indicou foi o Bruno, parceiro ouvinte desta singela mixtape.

Esta edição começa com Racionais e, por que não a participação de Mano Brown em Umbabaraúma, do Jorge Ben? Temos uma seção "bate-cabeça", com House of Pain e Delinquent Habits, até um Cypress Hill escondido na versão ao vivo de How I Could Just Kill a Man, do Rage Against the Machine. E vários outros aperitivos nas entrelinhas.

Nessa edição pedi uma ajuda final para meu mano Jefferson, que num Top 3 a la Nick Hornby indicou Mos Def, Facção Central e Dead Prez, sutilmente fechando a lista.

Aprecie via streaming ou faça o download aqui:



01 Racionais, Jesus Chorou
02 Jorge Ben feat. Mano Brown, Umbabarauma
03 RATM Feat Sen Dog & B-Real, How I Could Just Kill A Man
04 Xis, A Fuga
05 Delinquent Habits, Tres delinquentes
06 House of Pain, Put your head out
07 Correria MC, Show de Rap (Part Projota)
08 Dr. Dre f. Eminem, Forgot About Dre
09 MV Bill feat. Chuck D, Transformação
10 Pharoahe Monch, Simon Says
11 Dead Prez, Propaganda
12 Facção Central, Anjo da Guarda vs. Lúcifer
13 Mos Def, The Rape Over

Entrevista com Diego Bernal

por Robson Assis | | 23.8.10 COMENTE!



You find the english version, right here.

Diego Bernal é um beatmaker de San Antonio, no estado norte americano do Texas, cuja música ultrapassa os limites do hip-hop instrumental, fato este que o levou a assinar contrato com uma gravadora de música eletrônica. Bernal nasceu em uma família de educadores, ativistas e intelectuais, o levando a ser advogado de uma organização de direitos civis nacionais em seu país.

Com dois discos lançados - Besides e For Corners -, a música de Bernal parece caminhar sobre a linha tênue do beat puro e instrumental, sem a necessidade do flerte com a rima, uma vez que a complexa intensidade das batidas cumpre bem o trabalho de criar a perfeita ambientação clássica do rap. Samples extrovertidos e harmonicamente precisos se misturam à música latina em suas composições trabalhadas como obras bastante inusitadas.

Gente fina, aceitou tranquilamente essa entrevista por e-mail, em que fala sobre sua carreira, influências, música digital e inclusive sobre o começo da produção de seu terceiro disco Here for Good.

Robazz: Conta um pouco da sua história, em que fase da sua vida você começou a criar beats? Como isso aconteceu?
Diego Bernal: Obrigado, cara. Eu comecei fazendo beats durante o Ensino Médio, só por diversão e com equipamento básico de DJ, nada muito extravagante. Foi algo que amei e fiz por muitos anos, só para mim mesmo. Não foi tão longe, tempos depois um amigo meu, Ernest Gonzalez, que é dono da Exponential Records me convenceu que o material que eu tinha compilado poderia ser usado num disco decente. Eu nunca esperei que as coisas caminhassem nessa direção, mas fico realmente feliz que tenha acontecido dessa forma.

Robazz: E como define sua música, seu estilo?
Diego Bernal: No meu pensamento é hip-hop instrumental, mas eu acredito que outras pessoas ouvem de diversas outras maneiras, e eu gosto disso. É legal, é beat music. Podemos ficar aqui lançando rótulos o dia todo, mas no final o que temos são os beats... com uma corrente latina.

Robazz: Seus discos são distribuídos gratuitamente nessa rede de informação maravilhosa que é a internet. Como você pensa isso da distribuição de música nos nossos dias?
Diego Bernal: Sabe, sou realmente feliz por não depender de venda de discos pra viver. Conheço artistas com muito mais sucesso e carreiras mais prolíficas em comparação com a minha que ainda lutam pra sobreviver. Dito isto, eu adoro a forma que a música permite ser compatilhada e como ela facilmente viaja através do mundo (essa entrevista agora é a prova real disso), mas eu também acho que as pessoas devem se lembrar que se você quer mais dedicação de um artista, você precisa gastar algum dinheiro com ele. Você gosta do primeiro álbum de alguém? Você quer o segundo? Compre o seu disco.

Eu acho que a música digital é ótima, mas eu também acho que isso cria uma cultura onde a música é descartável. As pessoas ouvem alguma coisa uma ou duas vezes, ou por uma semana, e então deixam de lado. É por isso que eu crio álbuns e não simplesmente singles, porque a experiência com a música se torna mais aprofundada e reflexiva. Eu não quero uma aventura de final de semana, quero um romance completo.

Robazz: Na descrição do disco For Corners, "A música caminha entre camadas de música latina, das triunfantes explosões de chifres até o descontraído groove de melodias lowerider" no que a música latina te complementa e quais foram as influências mais marcantes para a sua música?
Diego Bernal: Eu cresci ao redor do hip-hop, country, heavy metal, discos da Motown, Soul da Filadélfia e música latina. Vindo de San Antonio, nós sempre misturamos nossos gêneros. O soul e o funk do estado têm sido minados até a morte, então pensei em colocar um pouco de mim na música e foi isso o que saiu. Se você me dissecar abrindo meus discos, são estes sons que vão se derramar. Se os Native Tongues remixassem meu bairro, estes dois álbuns (For Corners, Besides) são as linhas que, eu acho, resultariam.

Robazz: A pergunta padrão, conhece algo da música brasileira?
Diego Bernal: Eu conheço um pouco. Não muito e não o suficiente. Compartilha aí, me diga o que ouvir. Sou todo ouvidos.

Robazz: O que você tem ouvido ultimamente?
Diego Bernal: Mexicans With Guns, Flying Lotus, Led Zeppelin, Sharon Jones, The Roots, Erykah Badu, Trio Los Panchos, DJ Dus e o El Michels Affair.

Robazz: Diga-nos sobre os próximos projetos na sua carreira.
Diego Bernal: Tenho alguns remixes pra fazer, e a partir daí eu estou realmente pensando em começar a trabalhar no meu terceiro disco. Eu não espero finalizá-lo até o início de 2012, então curtam o que está disponível! Eu posso te dar o título desse novo trabalho que eu tenho até então, chama-se: "Here for Good". É uma espécie de busca da minha vida dentro e fora da música.

Robazz: Deixe sua mensagem para os beatmakers brasileiros.
Diego Bernal: Acredite em você mesmo. Trate seus trabalhos como arte, não como mercado. Você é bom, é melhor do que imagina. Mais importante de tudo, encontre uma sonoridade que seja sua. Se você fizer isso, todo o resto vai se tornar mais fácil.

Site oficial: http://diegobernal.net

Salve o Manos e Minas #salveomanoseminas

por Robson Assis | | 6.8.10 1 Comentário

"Tamo vindo aqui do sul pra falar de hip hop
É nosso jeito se ser, preocupaçao não é ibope
É idéia que somos, é o dia após o outro
É morrer e renascer de novo"

--Da Guedes, Minha Cultura

Até onde sabemos, a TV Cultura vai cancelar a exibição do programa Manos e Minas, último suspiro da cultura de rua na programação da TV aberta, agora prestes a ter um fim como o Yo! MTV Raps, dos anos 90.

Desde ontem, no Twitter, acontece uma enxurrada de protestos através da tag #salveomanoseminas, com o intuito de transmitir o descontentamento da cultura hip-hop com a decisão já tomada pelo presidente da Fundação Padre José de Anchieta, João Sayad. A tag entrou no Trending Topics de quinta-feira, entre os assuntos mais comentados na rede social.

A legião de seguidores do hip-hop não é ingênua e sabe das consequências que um protesto como este podem ter. Não é preciso acreditar que esta grande quantidade de tweets vão ganhar forma e serão ouvidos, uma vez que as decisões burocráticas e de mercado envolvidas tiveram peso que não podemos medir. Além do Manos e Minas, outros excelentes redutos de informação cultural como os programas Vitrine e até mesmo o recente Login serão extintos da grade.

Deste modo, o debate e a posição dos usuários quanto ao fim da exibição do programa - ainda que com a possibilidade de ser apenas um tiro seco no escuro - denota uma cultura com mais foco, que sabe por quais caminhos utilizar suas forças e propagar sua mensagem. Isso se torna mais visível nos momentos de adversidade que acompanham toda a história do movimento.

"Quero idéia e flow, saca?
Direto eu vejo Hip-Hop na maca,
Com gente igual eu dizendo: 'Pelo amor de Deus, doutor'
E vários lá sugando como se a cultura devesse um favor"
--Emicida, Hey Rap

O escritor e agitador cultural Alessandro Buzo, que apresentava o quadro Buzão - Circular Periférico resume em seu blog a responsabilidade do programa para a cultura "encarava o Manos e Minas como um trabalho e uma missão (mostrar a periferia que o Datena não mostra)".

Os meios de contato com a TV Cultura estão abertos e devem ser utilizados pelo público que quer a continuidade do programa. É possível protestar através do Fale Conosco no site, ou mesmo através de replies para o perfil @tvcultura no Twitter. Ou ainda através da tag #salveomanoseminas que continua com força nesta sexta-feira.

Os livros de julho

por Robson Assis | | 4.8.10 4 Comentários

J.R.R. Tolkien, Senhor dos Anéis vol. 1, A Sociedade do Anel - Provavelmente todos conhecem a história de Frodo, Gandalf, Aragorn e Bilbo, o bolseiro. Menos eu, que assisti os dois primeiros filmes sem dar a devida importância. Embora o tamanho da saga (3 livros de 300, 400 páginas e outros dois livros adicionais O Hobbit e Silmarillion) assuste os primeiros olhares, se mostram tranquilos e envolventes na medida do possível. Este primeiro livro parece preparar o terreno para os outros todos, descrevendo histórias, contos e cantos da Terra-Média até que você esteja completamente submerso ao mundo criado por Tolkien. Não menos sensacionais são os processos de identificação com os personagens, de maneira que você pode ser surpreender ao perceber que está falando daquele pilantra do Boromir, como um antigo amigo seu que perdeu a confiança. Além, de tudo, a natureza a descrição dos lugares e dos povos garante a perfeita sensação de já ter conhecido aqueles lugares e pessoas.

Caco Barcellos, Rota 66 - Uma crítica densa aos policiais da ROTA, de São Paulo, do pós ditadura ao começo anos 90, quando a obra foi lançada. O ponto de partida é o caso que dá nome ao livro, o assassinato de três jovens de classe alta, num bairro nobre da capital. Em cada caso, o autor utiliza os argumentos de uma perícia que nunca existiu neste tipo de crime, envolvendo os vigilantes das ruas. Aponta ainda diversas falhas do sistema jurídico, em que muitas vezes as provas e depoimentos são omitidos e/ou esquecidos quando se trata de acusar policiais. Who watch the Watchmen?, sabe? Sem esquecer o papel amendrontado de hospitais públicos forçados a receber corpos de vítimas já mortas como se estivessem em estado grave, uma prática comum aos assassinos da ROTA, como se pode verificar através do banco de dados criado pelo jornalista. O que poderia ser um livro de ficção quase fantasmagórico e apelativo, é uma realidade crua e que faz parte do cotidiano dos bairros pobres da periferia de grandes cidades. A cada caso, uma família despedaçada pelo acaso de atravessar o caminho de uma Veraneio cinza.

Charles Baudelaire, Escritos sobre arte - Quatro ensaios sobre arte do poeta e escritor de Flores do Mal - que mais tarde descobri ser também um ensaísta e crítico influente. Formato pocket book, mostra-se uma leitura (a) hábil quando dos detalhados conceitos como no ensaio sobre o riso, (b) densa quando trata de arte filosófica e (c) amável quando fala sobre a vida e obra de Montaigne. Um livrinho quase imperceptível para uma estante, um livro gigante para coroar a mente com conceitos artísticos e formas de expressão crítica.