Quando o 'Carpe Diem' não funciona

por Robson Assis | | 19.7.09

Adilson se sentia sozinho. 36 anos, morador incólume e pouco notável de um bairro marginalizado no subúrbio de São Paulo, cidade onde nasceu. Sua família não lhe dava a mínima, tal qual seus amigos e conhecidos do trabalho. Passava noites em claro à beira da janela de seu pequeno apartamento numa COHAB como qualquer outra.

Saía cedo, ainda que com a mordomia de não ter que pegar ônibus, pois tinha seu chevette 78, com vidros escuros, bancos reformados, lá pelo 19º dono. Ao chegar, um pingado e um pão na chapa, a lei de todo frequentador assíduo de padaria. Aquilo era seu último contato com o dia claro. Dentro da empresa de contabilidade em que trabalhava até às oito da noite era apenas o assistente de almoxarifado.

Sua rotina o mantinha numa ode ao fracasso que certa hora ia estourar seu cérebro.

O ano novo caía num sábado. Chamou todos os parentes próximos, mandou convites personalizados com o dinheiro que vinha juntando para a comemoração. COnvidou também seus colegas de trabalho, o pessoal do bairro, ia ser um churrasco e tanto na casa de sua mãe, dona Clara. Comprou tanta carne e bebida que no mercado perguntaram se estava abrindo um bar, restaurante ou coisa parecida.

Aquilo talvez servisse de apoio à sua já permanente decadência, talvez trouxesse de volta, ou mesmo o deixasse num estágio em que poderia engrenar sua ascensão à felicidade que não acreditava.

No final, apareceram dois tios, um amigo próximo e três vizinhos no final da noite, bêbados, sem graça e sem destino, que ficaram apenas pela quantidade de bebida que havia na casa.

Revoltado, tentou devolver suas compras, sem sucesso. Fez um estoque em sua casa. Um novo ano que começou deprimente e estático. Os dias pareciam mais longos e sua vida cada vez mais vazia. Havia perdido algo, em algum ponto de sua vida que jamais iria recuperar. Passou a falar pouco, rir pouco e começou a nutrir uma fobia pela sociedade e por todas as pessoas que o rodeavam.

Não demorou a iniciar suas tentativas de auto destruição. Bebia como nunca, trocou a padaria por um baseado e uma carreira de cocaína antes do serviço. Viu que precisava ser mais drástico e certo dia, passou de seu local de trabalho, seguiu com o carro até a rodovia dos bandeirantes.

Bebendo conhaque na garrafa, ele jogou seu carro no meio fio, passando para a outra pista, seguindo na contramão por outros três quilômetros, quando puxou o freio de mão e rodopiou na pista. os carros tentavam desviar. Ele parou desacordado, no meio fio, com metade do veículo ainda na pista. Um caminhão não conseguiu brecar e bateu em sua traseira, causando ainda mais danos.

Acordou dias depois num hospital público de uma outra cidade. Por pouco não havia morrido. Os médicos alegaram múltiplas fraturas, inclusive no crânio, mas nada que comprometesse sua vida ou sua salubridade, ele parecia ter mesmo dado muita sorte. Desapontado, olhou para o teto e perguntou a Deus se não podia sequer morrer por sua própria vontade. Uma enfermeira entrou e o viu acordado, chamou um doutor que o analisou e minutos depois o deixou novamente sozinho no quarto.

Sem mais o que pensar, sem forças para continuar, sabia que sofreria uma acusação de tentativa de homicídio culposo, isso se ninguém houvesse morrido. O fato de poder estar preso ou internado, de certa forma o reconfortou. Sua mãe entra na sala, acompanhada de sua irmã mais nova, que morava em Minas Gerais.

Adilson se esforçou para pegar a mão de sua mãe e confessar que não tinha mais sentido sua vida sem ninguém ao seu redor. As pessoas se afastaram, ele se afastou e confessou viver num verdadeiro abismo de solidão em seu apartamento, em sua rotina. Não sabia quem poderia ajudá-lo, não sabia quem mais se importava.

Sua mãe, chorando, saiu do quarto. Dirlene tentou o consolar dizendo que ele estava completamente errado e que não havia motivos para pensar nisso, dizia que podia provar. Sua mãe abriu as portas de seu quarto. Ele viu entrar praticamente toda sua família de São Paulo e quase todos os primos e sobrinhos mineiros. O pessoal de sua empresa não trabalhou para ir ao hospital visitá-lo. Chorou ao ver muitos de seus vizinhos no fundo da sala de espera, se espremendo no canto do chão.

E ele finalmente conseguiu sua festa de ano novo, dentro de um hospital, num bairrozinho qualquer, de uma cidadezinha qualquer.

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