Mano, hoje é um domingão de carnaval, você tá longe, trancafiado, e provavelmente com a cabeça cheia de pensamentos do lado de fora destes muros. Olhei pela janela, seu cachorro saiu como se estivesse procurando algo ou alguém. Seu fusca não tá na vaga, isso me deixou mal demais essa manhã. Está tudo do mesmo jeito que você deixou, os moleques continuam, a função, o samba, a cerveja do fim de semana, o bar cheio de maluco a milhão, boneco passeando com a mina no shopping, já não sei se é isso o que pedi a Deus pela nossa quebrada.
Seria mais fácil se não houvesse a bandidagem, as drogas e tudo isso que faz a gente se acomodar, que entra na nossa mente e mora lá dentro, de forma que a gente não escolhe. É preciso ser forte, mano, não se iludir com as bandejas de ouro que nos servem. Agora você deve entender algo além do que eu, seu irmão e muita gente daqui. Não sei se vale deixar sua mãe chorando sozinha no sofá, com a TV ligada pra tentar distrair o pesamento e o coração, ela nunca consegue, eu sinto isso daqui.
É daqui pra frente, disse isso pro seu irmão, que tava sem consolo no dia que te levaram. Não sei quanto tempo isso vai durar, esse aperto, a vontade de te ver de volta por aqui, trocando uma idéia com a gente. Não sei como vai ser esse ano, mas pelos dias que se seguiram até então, vejo que não vai ser fácil. Digo por mim, que te vi crescer como todo mundo, quieto, até que a rua te dominou e te fez parte dela.
Fico pensando na juventude daqui. Posso parecer hipócrita, mas a verdade é que não temos opção além do bar e dos rolês de madrugada. Todo mundo acaba se envolvendo em algo errado, uns mais, outros menos, mas da mesma maneira somos jogados no mundão e do jeito que ele vier a gente abraça.
Guerreiros, temos de ser dia após dia. Saiba que te espero aqui, mano, e que todos os dias me lembro de você. Talvez não do jeito que estava agora, mas uns anos atrás, quando era apenas mais um moleque de skate, tentando pular a lombada de ollie, sem saber de nada do que acontecia lá fora, engraçado saber como a inocência nos fazia tão fortes. Mas uma injeção mínima de raiva nos faz parte do sistema, da estatística. A rua nos envenena, nos deixa fazer parte da família do inferno que querem que a gente seja.
É preciso ter confiança dos dias que vêm a seguir e esperar pelo bem. Voltei a rezar esta semana, talvez a dor de saber que você está numa cela, jogado com outro monte de gente, cada qual com sua história, me faz orar com mais fervor do que de costume. Te deixo, ao menos na idéia, aos cuidados do Deus em que acredito, não o deus dos Zé povinho que nos considera filhos bastardos, que aponta o dedo na nossa cara e diz que estamos sempre errados. Peço para aquele Deus que pra mim é a representação da criação e do bem comum e não deixaria nada de ruim acontecer contigo.
Mando vibrações positivas, esperança e fé, de quem realmente acredita que tudo vai melhorar pro teu lado, mano.
Robson
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