O pouco de mim que existe

por Robson Assis | | 25.3.09 1 Comentário

Existe um homem dentro de mim que diz para largar meu trabalho, deixar minha garota, partir de mochila para algum lugar desconhecido, conhecer uma pessoa tão incrível alguém que jamais iria me esquecer, beber com velhos senhores contadores de histórias, trabalhar num pasto e dormir num estábulo, enquanto construo um cômodo pra mim na fazenda de meus senhores. Beber de noite com eles, num bar local, com música local e rostos locais.

Existe um homem dentro de mim que diz para eu roubar uma loja de armas e seguir para o Congresso, derrubar aquele símbolo de podridão, chocar a burguesia onde ela menos espera, no seu seio. Pouco me foder se eles são pais de família, viúvos, noivos ou se representam algo para alguém. Não acredito em ninguém de terno e gravata. E isso nunca vai mudar.

Existe um homem dentro de mim que pede esmola, sentado no centro, sorrindo a qualquer gesto afável que me oferecem. Um homem que dali, só se levanta ao meio-dia, come algo no bar da esquina, mesmo com olhares incrédulos e opressores daqueles que não se enxergam, mas de longe parecem tão miseráveis quanto eu.

Existe um homem que pede por liberdade, por uma vida simples e justa, para si e para os seus. Um homem que não compreende como seres humanos podem viver em harmonia com tanto rancor aprisionado em seus peitos. Que não acredita num mundo melhor só porque o representante nacional do Mc Donalds doou 500 mil reais para uma instituição de caridade que eu nunca vou conhecer.

E, por outro lado, existe um homem que sou eu.

Haikai da falta de simpatia e fraternidade

por Robson Assis | | 24.3.09 COMENTE!

Se for pra salvar alguém
Que seja a mim
E a mais ninguém.
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Conheça a Caixa de Hai Kai de Carlos Seabra e os também simpáticos Hai Kai do Caio, do Sindicato dos Escritores Baratos, poeta, contista e um dos poucos leitores deste blog.

De olhos fechados

por Robson Assis | | 19.3.09 COMENTE!

O relógio marcava quatro da madrugada. Gostava de acordar mais cedo para tomar um café da manhã sossegado, cansado, assistindo o primeiro jornal do dia, antes de sair para o mundo que já acontecia naquele momento. Saí de casa e caminhei pela rua escura até o ponto de ônibus próximo. Garotos voltavam de algum lugar conversando alto e rindo. Me sentei e encostei na parede, começava a grande jornada rumo ao trabalho, no outro extremo da cidade.

O coletivo já ia relativamente lotado às 4h30. 'Relativamente' é quando se consegue ficar imóvel sem ser perturbado. Lotado é quando a coisa lembra realmente uma lata de sardinha. Ia em meu lugar de pé, ouvindo Tupac no tocador de música. Changes. As coisas que mudaram, que não mudaram, sentia meu cotidiano triste, refletia sobre o dia anterior e prestava atenção no sono dos que, com sorte, conseguiam lugar para ir sentados até o centro da cidade.

Passando o cruzamento com a Espraiada, pela avenida Santo Amaro, já não cabia mais ninguém naquele veículo. O motorista sabia disso. O cobrador sabia disso. os cento e poucos passageiros encurrlados nas entre os balaústres de metal sabiam disso. Dali pra frente começavam a descer os que trabalhavam no Brooklyn e no Itaim, ia melhorar. Feito. Acreditei por um segundo que pudesse viver um dia inteiro de olhos fechados. Era fácil, nossa rotina pode ser contada. De olhos fechados eu poderia saber o que aconteceria em cada hora do meu dia. Pedi perdão a Deus pelo mau pensamento, mas sabia que podia ao menos narrar meu dia sem vivê-lo, isso me confundiu por alguns segundos até que uma moça de vestido social preto se levantou e cedeu seu lugar, já havia chegado ao seu destino. Me sentei e esqueci disso.

Dormi um pouco, acordei na parte baixa da avenida nove de julho, depois da praça 14 Bis. Esfreguei meus olhos e o dia já espreguiçava, mas ainda era escuro. O coletivo já esvaziava, finalmente me alonguei e desci com um bocejo típico, não sem antes acordar um ou outro passageiro que ainda dormia mesmo após a chegada ao ponto final.

Saí do terminal bandeira faltando dez minutos para as seis horas da manhã. Saí atrás do metrô Anhangabaú e alguma coisa me fez sorrir. Talvez aquele sol que aparecia fraco e sonolento, os tiozinhos montando as barracas de bilhete de metrô, tudo aquilo tinha uma certa magia que não conseguia explicar. Subi as escadas do metrô e avistei a Xavier de Toledo. Esperei o farol fechar e atravessei. Na metade da faixa de pedestres, o tempo começou a andar mais devagar. Ela era morena, tinha saias compridas, um tom rubro escuro, vestia um chapéu e tinha a pela mais lisa de todas. Sabia que não conseguiria dizer uma palavra, segui caminhando, ela deu um trago no cigarro e me olhou por dois segundos que bastaram para que me lembrasse de seu rosto pelo resto de minha vida. Ela passou depressa, talvez com medo. Desceu as escadas e sumiu para sempre. Nunca esqueci aquela cena.

Esperei outro ônibus no ponto final. O cobrador decidiu abrir a porta após devorar seu pingado com pão chapa. Poucos passageiros subiram. Saiu vazio o coletivo, rumo ao terminal Pirituba. Era um bom caminho. Avenida São João, Lapa, Raimundo Pereira de Magalhães, final. Eram 7 horas e começavam a abrir as borracharias, bares. As cabelereiras varriam o chão ainda com a porta do salão fechada. Estava chegando novamente em outro ponto final.

Sete e meia, milhares de pessoas vão e vem dentro do terminal de ônibus. Eu desço, vou ao banheiro, bebo um pouco de água, sigo para a última linha do dia. O Vila Zatt sai em disparada, faltam dez minutos para o horário de trabalho. Bem são só alguns pontos. Olho aquele bairro como se pudesse morar ali em pensamento, era tão igual ao Campo Limpo, mas de um lado tão distante. Fiquei olhando pela janela, quando avistei o galpão onde ficava meu trabalho, passando ao longe. Desci e voltei um pouco a pé. Sempre dava dessas.

Trabalhava para um grande livraria, arrumava o estoque, empilhava caixas, contava, etiquetava, haveria uma grande Bienal nas semanas subsequentes, o que fez aumentar meu serviço. Novos empregados também foram contratados, todos pareciam vir de lugares simples. Hoje, pela primeira vez, parecíamos mais próximos, todos eles. Nos encontramos no pátio e subimos até o local escuro e seco onde trabalhávamos.

O dia estava quente, mas o trabalho ajudava a manter a cabeça distante. Empilhava caixas, organizava os livros, conferia as notas fiscais e colocava nas estantes. Todos se ajudavam, arrumavam os papelões em locais distantes para que um tiozinho de idade inteira viesse buscar a cada uma hora, com um carrinho. Ele passava tanto por ali que ganhamos certa intimidade para fazer piadas e brincadeiras. Seu Valdo era gente boa, gostava das coisas certas, só rosnava quando via as caixas abertas fora das pilhas, tinha dois filhos com sua esposa, morava na Lapa, apesar de não morar lá, imaginei que fosse um bom lugar.

Durante o almoço, dois moleques saíram para fumar um baseado. Não gostei quando vi, mas cada um tem a sua escolha, sabe o que é melhor pra si. Prefiro acreditar assim. Quando saí do refeitório e desci no pátio, consegui vê-los na praça do lado de fora, assoprando fumaça e rindo à toa.

Voltamos para o trabalho, continuamos a rotina. Aquele dia quente estava rendendo de maneira supreendente. Eram três da tarde quando Seu Valdo apareceu e viu dois papelões fora do lugar.

- Aí Moleque, disse olhando pra mim.

Foi quando sem imaginar, fiz brilhar uma estrela dentro de todos nós naquele galpão. Como já tínhamos certa proximidade, cantei um trecho do Racionais compulsivamente caminhando em sua direção:

- "Aí moleque, me diz, então, ce quer o quê? A vaga tá lá esperando você. Pega todos seus artigos importados, seu currículo no crime, limpa o rabo."

Valdo recolheu os papéis e virou as costas. Continuei e vi que todos me olhavam. Continuei a música, era sempre assim, ela não saía da minha mente. Cantarolei baixinho, até que alguém ouviu e me seguiu. Em cinco minutos estávamos todos cantando aquele som um pouco mais alto, fazendo as entradas, as passagens como um Wu-Tang-Clan de estoquistas.

Acabou o som, de longe eu ouvi alguém cantando outra coisa. Era 509-E, Saudades Mil. Seguimos. Espantosamente, todos nós sabíamos cantar todas as músicas que, aleatóriamente, alguém começava. Thaíde & DJ Hum, SNJ, Consciência Humana, Detentos do Rap, Facção Central, Xis, RZO. Cantávamos 'Paz Interior', quando a supervisora chegou. Abaixamos o tom, fomos amenizando. Ela vestia saia e camisa social, cabelo amarrado, salto alto. Parou, encaixou as mãos sobre a cintura, lembrando uma professora de pré-escola encontrando os alunos aprontando alguma. Era um tanto velha e tinha uma cara um tanto suja. Arrumou os óculos de armação grossa e disse:

- Vocês acham que estão num show é? Aqui é uma empresa. Olhem lá pra cima. É um escritório, as pessoas precisam de concentração!

Todos ficamos quietos e continuamos o serviço, sem jeito e até um pouco envergonhados, admito. Ela saiu. Caminhou até o elevador social, virou para nós e as portas se fecharam. Deu até pra ver ela se sentando naquele escritório todo de vidro, no mezanino, com máquinas de café, impressoras a laser e poltronas reclináveis. Senti um pouco de pena de nós, nem os escravos eram impedidos de cantar em seus quilombos.

Gui terminou de recolher os papéis na empilhadeira e desceu do carrinho. Chegou perto de todo mundo e assobiou o começo de Burguesia, do De Menos Crime, de forma idêntica à música. Ainda deu-nos as primeiras frases: "A minha voz não calo, não sou otário, burguesia do caralho...". Bem baixinho, todos cantávamos mais músicas. A supervisora lenvantou outra vez e nos olhava lá de cima. Balançou a cabeça negativamente e voltou a se sentar. Ali dentro, nós éramos o rap nacional, a revolucionária geração dos anos 90, os guerreiros mostrando serviço.

O relógio bateu às oito da noite. Penduramos os aventais bege nos ganchos e saímos em direção ao bolsário. Pegamos as mochilas. Ainda voltei ao prédio administrativo. Aquela supervisora não estaria lá, meus chefes não estariam lá, chefes dos meus chefes talvez já estivessem em casa, jogando golf no tapete e acionando os alarmes do portão. Ali seríamos eu e a máquina de café apenas. Um vício que adquiri na última semana, quando descolei a brecha. A secretária ficava até tarde, Jolene, mas era gente fina, sabia conversar, gostava de música e das coisas boas da vida, se é que você me entende.

Naquele dia, Jolene parecia tensa, trocou meia-dúzia de palavras comigo e mergulhou dentro de uma pilha de papéis sobre sua mesa. Parecia ser vigiada. Peguei duas moedas, coloquei na máquina, me servi de um capuccino, sentei no sofá. Uma folheada na revista Cult, sempre tinha alguma coisa da qual eu nunca tinha ouvido falar. Aquela falava sobre Baudelaire. Já tinha lido As flores do Mal, sabia que o livro tinha sido proibido na época, embora nunca tenha ouvido nada a respeito do autor. Mais algumas páginas, deixei a mochila no chão, entrou alguém pela sala, percebi, mas não olhei.

Fechei a revista e terminei a bebida. Fui até a máquina e me encarreguei de outra mais pesada. Um café forte e seco, era o que precisava. A Caros Amigos daquele mês falava sobre as Leis do Islã. Comecei a ler, esqueci um pouco o café e fui mais a fundo. Li Glauco Matoso, Ferréz, a entrevista. Hora de ir embora. Encostei o exemplar sobre a mesa, o senhor de óculos na outra poltrona me perguntou se eu gostava daquela revista. Não era um cara mal-vestido, mas não aparentava ser chefe de ninguém. Disse que gostava, tinha uma coleção em casa com vários números.

- Mas é uma revista de esquerda não é?, me questionou o senhor
- Sim, a gente precisa respirar a rebeldia.


Abriu um sorriso breve, jogou seu copo no lixo. Saiu e acendeu um cigarro no pátio, Jolene parecia transpirar na mesa. Olhava para o lado de fora como se houvesse um monstro pernicioso prestes a entrar e assassiná-la. Disse tchau, ela acenou com a mão, sem me olhar nos olhos, mal podia falar comigo.

Do lado de fora, também acendi um cigarro. Comentei algo sobre as estrelas e citei Kerouac. Ele sorriu novamente.

- Você trabalha aqui?
- Sim, no estoque, estamos arrumando as coisas para a Bienal. E o senhor?
- Sou do administrativo. Parece ler muito, não?
- É, gosto. Estudei Jornalismo. Trabalho aqui porque gosto de livros e o mundo para alguns não oferece muitas chances.
- Que tal trabalhar no prédio, revisando livros?
- Por mim, ótimo.


Nunca mais voltei a ver aquele que, certa vez me disseram, de acordo com a descrição que fiz, era o presidente daquela companhia. Não sei o trabalho de um presidente, mas acredito ser um quase dono. Um quase dono sem cara de chefe. Era o que precisava ser. Consegui o cargo de revisor, trouxe mais dois amigos do estoque, que trouxeram mais dois.

Aquele dia se passou, aquele trânisto, aquele café, a Jolene, o Valdo, tudo se fez passar como numa história de esperança, contada para crianças. Em alguns anos, enchemos aquela sala de ex-estoquistas que não desacostumaram da idéia de trabalhar cantando rap.

E nunca mais quis viver meus dias de olhos fechados.

Visões alucinantes

por Robson Assis | | 1 Comentário

E não é que indo pro trampo eu tenho umas visões loucas diariamente?

O caminho é Av. Carlos Caldeira, Estrada do Campo Limpo, Rod. Régis Bittencourt (BR-116), Rodoanel Mário Covas, Rod. Castello Branco até o km. 32.

Parece pesado, mas é bem bonito de se ver.










Do que não precisamos

por Robson Assis | | 15.3.09 COMENTE!

A intolerância. Nosso maldito vício. O ser humano não teria transformado o mundo no que ele é hoje se não fosse esse estado de espírito impregnado em tudo o que caminha nesta Terra. Às vezes não consigo saber se é um estado ou uma condição do espírito. A tiazinha gritando com o cobrador de ônibus, o cara que estraçalha o carro do outro só por ter estacionado na frente de sua casa. Podemos pensar nas guerras, ditaduras e rebeliões, mas disso só lembramos por ser algo grande, polêmico. Não damos valor às pequenas desavenças cotidianas que também fazem parte desta máquina.

Parabéns a nós, que transformamos o mundo num ringue.

Brancos contra negros, negros contra negros, amarelos contra ocidentais, um vice-versa infindável. Sempre acreditei que, no fundo, aquelas brigas de bar sempre carregam um peso sociológico e racial. Mas ninguém ouve, ninguém nunca ouve.

Inimigos, todos nós temos. Vai de você querer ou não levar adiante. A mente do ser humano é complicada de entender. Alguns precisam mostrar o quanto dão duro no trabalho, o quanto se esforçam para pagar a escola dos filhos. Outros precisam provar virilidade, homens e mulheres, gente que arruma confusão por uma trombada, por um olhar torto, mesmo ainda sem motivo nenhum.

Pessoas não se dão bem com pessoas. É um fato e temos de encarar. Por isso vivo no meu mundo e não me importo de ficar em casa sozinho às sextas bebendo qualquer coisa forte para esquecer o mundo de fora da janela.


Eu não tenho esperança em relação à isso. Desenhar um mundo sem maldade é tarefa dos meus sonhos.

Começo a acreditar que a história do mundo é uma história de terror.

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puta idéia chata de domingo de noite, mas acabei de ver dois caras brigando na rua e isso me dá um desânimo monstro.